Abaixo transcrevo uma das
últimas páginas de Homo Deus (2016),
de Yuval Noah Harari*:
“Na
Babilônia antiga, quando enfrentavam um dilema difícil, as pessoas subiam ao
topo do templo local na escuridão da noite e observavam o céu. Os babilônios
acreditavam que as estrelas controlam nosso destino e predizem nosso futuro.
Observando-as, eles decidiam se casavam, aravam o campo e iam para a guerra.
Suas crenças eram traduzidas em procedimentos práticos.
“Religiões
baseadas em escrituras, como o judaísmo e o cristianismo, contam uma história
diferente. ‘As estão mentindo. Deus, que criou as estrelas, revelou toda a
verdade na Bíblia. Então parem de observar as estrelas – em vez disso, leiam a
Bíblia.’ Essa também era uma recomendação prática. [...]
“Na
sequência, vieram os humanistas, com uma história totalmente nova: ‘Os humanos
inventaram Deus, escreveram a Bíblia e agora a interpretam de mil maneiras
diferentes. Assim, eles próprios são a fonte de toda a verdade. Você pode ler a
Bíblia como uma criação humana inspiradora, mas não é obrigado a isso. Se está
diante de um dilema, ouça apenas você mesmo e siga sua voz interior’. O
humanismo dava então instruções práticas detalhadas de como ouvir a si mesmo,
recomendando ações tais como observar o pôr do sol, ler Goethe, manter um
diário particular, ter conversa de coração aberto com um bom amigo e realizar
eleições democráticas.
“Durante
séculos , os cientistas aceitavam também essas diretrizes humanistas. [...]
[...]
“Depois de Darwin, os biólogos começaram a explicar que sentimentos são
algoritmos complexos aprimorados pela evolução para ajudar os animais a tomar
decisões importantes. Nosso amor, nosso medo ou nossa paixão não são fenômenos
espirituais nebulosos que servem apenas para compor poesia. Em vez disso, eles
encapsulam milhões de anos de sabedoria prática. Quando você lê a Bíblia, está
sendo aconselhado por alguns sacerdotes e rabis que viveram na antiga
Jerusalém. Em contrapartida, quando presta atenção a seus sentimentos, está
seguindo um algoritmo que a evolução desenvolveu durante milhões de anos. [...]
“No
século XXI, no entanto, os sentimentos já não são mais os melhores algoritmos
no mundo. Estamos desenvolvendo algoritmos superiores que utilizam um poder
computacional inédito e bases de dado gigantescas. Os algoritmos do Google e do
Facebook sabem não apenas como você se sente, como sabem 1 milhão de outras
coisas a seu respeito. [...] O humanismo ordenava: ‘Ouçam seus sentimentos!’; o
dataísmo agora ordena: ‘Ouçam os algoritmos! Eles sabem como você se sente!’.
“’Quer
saber quem você realmente é?’, pergunta o dataísmo. ‘Então esqueça as montanhas
e os museus. Você já obteve sua sequência de DNA? Não?! Vá e faça isso hoje
mesmo.’”
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Yuval Noah Harari nasceu em
1976, em Israel. É autor de Sapiens: Uma
breve história da humanidade. É ph.D. em história pela Universidade de
Oxford e professor na Universidade Hebraica de Jerusalém.