sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

ÚLTIMO ARTIGO DE OPINIÃO DE ECO

Estou cada vez mais irritado com uma expressão com a qual me deparo em relatos parlamentares, entrevistas, artigos de jornal e afins.
As pessoas dizem que "cometeram um erro", quando na verdade o que deveriam dizer é que cometeram um crime. Por exemplo, "eu posso ter cometido erros no passado, mas agora vou me dedicar a trabalho voluntário". Ou "responderei à Justiça caso tenha cometido um erro". Ou um jornalista escreverá que certa pessoa "cometeu um erro", mas deveríamos perdoá-la.
Tenho o péssimo hábito de consultar um dicionário sempre que desejo entender o significado pleno de uma palavra. Um "erro", segundo o "Webster's New World College Dictionary", é uma "falha de entendimento, percepção, interpretação" ou "uma ideia, resposta, ato, etc., que está errada; (uma) falha".
Tendo por base essa definição, me parece claro que aqueles que "cometem erros" o fazem de modo não intencional. O contador que faz um cálculo errado comete um erro, assim como o chef que coloca acidentalmente um ingrediente errado em um prato favorito, ou o médico que erra no diagnóstico de um paciente. Em cada caso, a pessoa tinha a firme intenção de fazer a coisa certa mas não foi bem-sucedida, e todas inicialmente não estavam cientes de seus erros.
Mas com extrema frequência, atualmente são criminosos e homicidas – pessoas que praticam extorsão e aceitam propina, fazem uso ilícito dos cartões de créditos de outros, aplicam golpes em pessoas vulneráveis e ingênuas, até aquelas que matam suas avós com machados ou jogam ácido na face de sua ex-mulher– que são descritos como tendo "cometido um erro".
É claro, essas pessoas não simplesmente cometeram erros. Elas fizeram o que sabiam ser contra a lei e a moralidade pública. Elas cometeram um crime, dizendo claramente. Em termos religiosos, elas "pecaram", o que significa que agiram errado de forma intencional, mesmo que aqueles que cruzaram um sinal vermelho cometam uma ofensa venial, e aqueles que matam suas avós cometam uma mortal.
Descrever conhecidos malfeitores como tendo apenas cometido "erros" é um eufemismo despudorado que atenua a responsabilidade deles por suas ações, como se fossem crianças que somaram descuidadamente dois mais dois para chegar a cinco. É criminoso chamar um crime evidente de "erro".
(O texto acima foi produzido por Umberto Eco para o site UOL. Identifiquei-me com ele no quesito de "consultar um dicionário sempre que desejo entender o significado pleno de uma palavra". Já me expressei sobre esse hábito por mais de uma vez. 

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