O criacionista (judeu, cristão,
muçulmano e espírita) encontra uma dificuldade insuperável para compreender o
contraponto evolucionista, que desconstrói toda ficção religiosa, todo mito.
Ele pertence, segundo Christopher Hitchens, à “infância de nossa espécie”,
porque teima no que acredita. O máximo que consegue articular discursivamente
sobre a evolução da vida pela seleção natural se resume a algumas anedotas que
ridicularizam Darwin e sua descoberta (r)evolucionária.
À maneira de uma criança, ele responde
afirmativamente ao questionamento proposto
por Richard Dawkins em O relojoeiro cego:
“O olho humano poderia ter surgido diretamente de olho nenhum, em um único
passo?”. O sim denuncia sua incapacidade de entender o não como resposta. Na
sequência, tampouco se interessa pela outra questão, cuja resposta é sim: “O
olho humano poderia ter surgido diretamente de algo ligeiramente diferente de
si mesmo?”.
Tempo houve suficiente para que o olho
humano evoluísse, gradual e continuamente, de um olho rudimentar – que não é o
ponto inicial da trajetória evolutiva. Antes dele, preexistia uma forma de vida
sem olho algum. Em certas espécies atuais, esse órgão dos sentidos continua
pouco desenvolvido, cumprindo a única função, por exemplo, de identificar a
direção da luz. Mas essa limitação é incomparavelmente melhor que a escuridão
completa. Uma variação genética que permitisse ao indivíduo identificar a luz
com um pouco mais de nitidez, certamente o dotaria de melhores condições de
sobreviver e de passar adiante seu gene.
Eis, na essência, a evolução pela
seleção natural.
O olho humano é citado, com frequência,
pelo adepto do design inteligente, como
exemplo de complexidade incapaz de ter sido gerado pela seleção natural. Aliás,
o homem como um todo, feito a imagem e semelhança do próprio criador concorre
para o fundamento de sua religião.
Segundo
a História Natural, o homem encontra-se classificado como pertencente ao reino animalia, filo chordata, subfilo vertebrata,
classe mammalia, ordem primata, subordem antropoidea, superfamília hominoidea,
família hominidea, gênero homo, espécie homo sapiens. A águia, por exemplo, pertence ao mesmo reino, filo e
subfilo do homem, distinguindo-se a partir da classe. A águia é uma ave, e o
homem, um mamífero. As duas espécies evoluíram de ordens distintas, de famílias
distintas, de gêneros distintos, de espécies ancestrais distintas, as quais
apresentavam um olho com X-1 de capacidade. Nem por isso, o olho deixava de
cumprir suas funções.
Malgrado o caminho diferente na evolução
anterior ao surgimento das duas espécies em pauta, criacionista e evolucionista
são unânimes em julgar que o olho do homem e o olho da águia são “perfeitos”. A
concordância entre os dois, todavia, não ultrapassa esse juízo.
A “perfeição” do olho (no homem e na
águia), para o criacionista, constitui o resultado (e a prova) de um ato único
de Deus – o designer inteligente.
Assim encontra-se narrado nas Escrituras Sagradas, assim ele acredita
inabalavelmente. Para o evolucionista, o olho evoluiu de um modelo um pouco
menos desenvolvido, que, por sua vez, evoluíra de um modelo anterior um pouco
menos desenvolvido. O recuo no tempo chega ao olho rudimentar (e deste, a olho
nenhum).
As aspas colocadas nos termos “perfeição”
e “perfeitos”, nos parágrafos acima, têm o propósito de dizer uma coisa ainda
mais surpreendente: a evolução do olho em qualquer espécie viva não chegou ao
fim. A natureza continua a fazer a seleção dos indivíduos que veem melhor.
Exceto com a interferência humana, dando oportunidade aos menos aptos e
conduzindo espécies inteiras à extinção.