Cedo ou tarde, o católico não praticante
ou insatisfeito com a ortodoxia põe os olhos e as mãos num livro até então
desconhecido: O evangelho segundo o
espiritismo. A partir da leitura das primeiras páginas, ele se vê
cerebralmente envolvido pelo ardil discursivo de Denizard Hipolyte Léon Rivail
(Allan Kardec).
O espiritismo parasitou o campo
conceitual judaico-cristão, com o fito de parecer autêntico e atrair adeptos.
Repito, adeptos egressos do catolicismo. Os evangélicos, cuja denominação não é
meramente cognática, são mais fiéis aos evangelhos. E os judeus, à lei mosaica.
Não me interessam as influências da
maçonaria e do positivismo no construto teórico de Kardec. Meu objetivo inicial
é destacar a maior contradição da doutrina espírita em relação aos Evangelhos:
a reencarnação.
Os quatro evangelistas primordiais
narram sobre a ressurreição de Jesus (Mt 20.1-10; Mc 16.1-8; Lc 24.1-12; e Jo
20.1-10). O assunto é esmiuçado por Paulo de Tarso em sua Primeira Carta aos
coríntios (15.4-19): “E, se não há ressurreição de mortos, então, Cristo não
ressuscitou… E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé”.
A reencarnação prega que a alma passa
por várias existências corporais, “depois de deixar um corpo toma outro”, para
o seu “aprimoramento progressivo”. É exatamente isso o que está escrito nO livro dos espíritos, capítulo IV,
sobre a “Pluralidade das existências”. Neste aspecto, o espiritismo constitui
uma ordem teleológica, que aposta na evolução do espírito em direção à
perfeição. Não compreendo por que o espírito necessita do aporte material, para
evoluir numa dimensão outra, que não a dominada pelo corpo, pelos instintos
abomináveis.
O mesmo fato que sustenta a
ressurreição, o desaparecimento do corpo de Jesus do túmulo em que fora
sepultado, denega a reencarnação. Da mesma forma, Hebreus 9.27: “Aos homens
está destinado morrerem uma só vez, vindo, depois disso, o juízo”.
A ressurreição em três dias se justifica
miticamente, porque aconteceu a Jesus, filho de Deus e Deus (a um tempo). Esse
caso excepcional apenas aumenta a fé dos cristãos praticantes, que continuarão
a esperar pela realização do mito até o fim dos tempos.
Para mim, neoateu, ressurreição e reencarnação
são como que variações de um mesmo tema – a vida além da vida. A imortalidade é
o sonho do homem. Não há mal sonhar esse sonho, exceto que, para sonhá-lo, é necesário transformar a vida real num pesadelo.
Antes do cristianismo, Sócrates e Platão
haviam condenado os sentidos. Depois de Cristo, Paulo de Tarso, Santo Agostinho,
a igreja católica, a reforma protestante, a metafísica moderna e Denizard
Rivail, com a sua doutrina espírita, tentaram fazer deste mundo uma ilusão, um
“vale de lágrimas, um lugar de dor, de pecado e de expiação.
Definitivamente,
necessitamos de uma ordem secular.
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