O grande salto religioso do homo sapiens foi dado entre o animismo e
o politeísmo, entre o endeusamento de coisas e seres naturais e a criação de
deuses sobrenaturais. Isso até é contestável, caso se recue ainda mais no
tempo, cuja dicotomia se estabelece entre o animismo e um estágio anterior, sem
religiosidade.
Outros saltos ocorreram mais
recentemente, por exemplo, entre o politeísmo e o monoteísmo.
A primeira experiência monoteísta
foi imposta por Aquenáton no Egito por volta de três milênios e pouco Antes do
Presente, com o culto exclusivo ao deus Aton. Após a morte do faraó, os
egípcios voltaram ao politeísmo.
Mais tarde, no pequeno reino de
Judá, um rei chamado Josias reuniu os escribas, sacerdotes, profetas e contadores
de história, para consolidar, pela primeira vez, lendas, profecias, contos
folclóricos, poesias antigas1, plágios de outras literaturas (como a
do dilúvio, narrada na Epopeia de Gilgamesh. O livro resultante constituiu a
primeira versão da Bíblia, cuja coerência narrativa foi possível sob a forja do
midraxe-hagadá2, gênero literário
desenvolvido pelos hebreus, para recontar outras histórias sob o viés de sua
própria cultura.
O judaísmo pode ser considerado a
primeira religião monoteísta, embora se destinando exclusivamente ao povo
judeu, limitado a um território exíguo no Oriente Médio antes da diáspora.
Ainda uma seita modesta, o cristianismo
se distingue do judaísmo por dois aspectos fundamentais: a universalidade e o
missionarismo. A prática desses princípios se deve quase exclusivamente a Paulo
de Tarso.
Para ser universal, o deus cristão exigia
a adoração de todos os homens, a começar pelos gregos, que viviam uma crise
provocada pelo ocaso de sua religião politeísta, bem como das filosofias
humanistas responsáveis pelo processo de desmitificação.
O monoteísmo prometia resolver o
problema da ordem, criando um deus único, onipotente, onisciente e onipresente.
Um deus supremamente bom. Essa vantagem em relação ao politeísmo, todavia,
tinha sua contrapartida até hoje não resolvida: o problema do mal. No
politeísmo havia um deus mau.
A solução dada pelos evangelistas
cristãos foi permitir a crença num anjo decaído, absorvendo uma “prática
dualista”3, com a falácia de Santo Agostinho, de que o próprio deus
dotou os humanos de livre-arbítrio para escolher entre o bem e o mal.
1.
FINKELSTEIN,
Israel. A Bíblia não tinha razão /
Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman; [traduzido por Tuca Magalhães]. São Paulo:
A Girafa Editora, 2003.
2.
BOFF,
Leonardo. A águia e a galinha: uma
metáfora da condição humana. – 19ª ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
3.
HARARI,
Yuval Noah. Sapiens – uma breve história
da humanidade. [Traduzido por Janaína Marcoantonio.] – 3ª ed. – Porto
Alegre, RS: L&PM, 2015.
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