segunda-feira, 12 de outubro de 2015

SALTOS (E CONTRADIÇÕES) RELIGIOSOS

O grande salto religioso do homo sapiens foi dado entre o animismo e o politeísmo, entre o endeusamento de coisas e seres naturais e a criação de deuses sobrenaturais. Isso até é contestável, caso se recue ainda mais no tempo, cuja dicotomia se estabelece entre o animismo e um estágio anterior, sem religiosidade.
        Outros saltos ocorreram mais recentemente, por exemplo, entre o politeísmo e o monoteísmo.
         A primeira experiência monoteísta foi imposta por Aquenáton no Egito por volta de três milênios e pouco Antes do Presente, com o culto exclusivo ao deus Aton. Após a morte do faraó, os egípcios voltaram ao politeísmo.
          Mais tarde, no pequeno reino de Judá, um rei chamado Josias reuniu os escribas, sacerdotes, profetas e contadores de história, para consolidar, pela primeira vez, lendas, profecias, contos folclóricos, poesias antigas1, plágios de outras literaturas (como a do dilúvio, narrada na Epopeia de Gilgamesh. O livro resultante constituiu a primeira versão da Bíblia, cuja coerência narrativa foi possível sob a forja do midraxe-hagadá2, gênero literário desenvolvido pelos hebreus, para recontar outras histórias sob o viés de sua própria cultura.
      O judaísmo pode ser considerado a primeira religião monoteísta, embora se destinando exclusivamente ao povo judeu, limitado a um território exíguo no Oriente Médio antes da diáspora.
Ainda uma seita modesta, o cristianismo se distingue do judaísmo por dois aspectos fundamentais: a universalidade e o missionarismo. A prática desses princípios se deve quase exclusivamente a Paulo de Tarso.
Para ser universal, o deus cristão exigia a adoração de todos os homens, a começar pelos gregos, que viviam uma crise provocada pelo ocaso de sua religião politeísta, bem como das filosofias humanistas responsáveis pelo processo de desmitificação.
O monoteísmo prometia resolver o problema da ordem, criando um deus único, onipotente, onisciente e onipresente. Um deus supremamente bom. Essa vantagem em relação ao politeísmo, todavia, tinha sua contrapartida até hoje não resolvida: o problema do mal. No politeísmo havia um deus mau.
A solução dada pelos evangelistas cristãos foi permitir a crença num anjo decaído, absorvendo uma “prática dualista”3, com a falácia de Santo Agostinho, de que o próprio deus dotou os humanos de livre-arbítrio para escolher entre o bem e o mal.


1.    FINKELSTEIN, Israel. A Bíblia não tinha razão / Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman; [traduzido por Tuca Magalhães]. São Paulo: A Girafa Editora, 2003.

2.    BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. – 19ª ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.


3.    HARARI, Yuval Noah. Sapiens – uma breve história da humanidade. [Traduzido por Janaína Marcoantonio.] – 3ª ed. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2015. 

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