sábado, 24 de outubro de 2015

O SALTO PARADIGMÁTICO

        Certos assuntos são propensos a incitar a discussão, tanto no sentido de constituir uma dialética positiva, quanto de enveredar para o lado oposto, em que a busca pela verdade dos interlocutores leva ao primeiro estágio da agressão – o discursivo.
        Desde meu começo como escritor (que publica ideias), meados dos anos oitenta, tenho desenvolvido continuamente a arte de espadachim (para empregar uma metáfora de Carlos Humberto Aquino Frota). Algumas vezes, em condições inferiores, obriguei-me ao recuo, guardando minhas palavras na bainha do silêncio. Por essa atitude, ouvi do vulgo não identificável a depreciação que me imputava pusilanimidade, covardia. A derrota aparente não me cegava o espírito (com o ressentimento, por exemplo), ao contrário, dotou-me da humildade mais necessária na vitória (também aparente).
        A longa experiência com as pugnas discursivas, hoje me faz perceber com maior clareza a posição que ocupo, bem como a posição do outro. Sua presunção e falta de humildade, a despeito da inexperiência que não consegue dissimular (nas redes sociais, onde ensaia seus primeiros passos), beiram o risível.
O interlocutor cristão, por exemplo, ao contrapor com um clichê do discurso religioso, ilude-se com a perspectiva de desconstruir meu ateísmo. Como digladiar com ele em condições de igualdade? Fiel seguidor de uma religião que dominou nossa civilização ao longo de toda a Idade Média (da baixa à alta), ele ainda não passou pela revolução moderna, iniciada por Copérnico e continuada por Galileu, Descartes, Newton, Rousseau, Kant, Darwin, Freud, Einstein, Hubble e tantos outros. O crente continua alheio ao paradigma vigente, cujos fundamentos são as verdades filosóficas e científicas dos últimos séculos. Como posso levar a sério alguém que sequer se libertou do mito?
Destarte, é preferível não aceitar uma discussão que, via de regra, acabará mal. Entre fé e razão, há, sim, um abismo incapaz de ser fixada uma ponte. Sua transposição só ocorre com um salto gigantesco - realizado por poucos. 

Nenhum comentário: