Desmond Morris escreveu em O macaco nu: “Para compreendermos a
natureza dos nossos instintos agressivos temos de encará-los segundo a nossa
origem animal”. Em seguida, o zoólogo britânico estabelece como verdade os
dois motivos que levam os animais a lutar em si: criar/ manter uma hierarquia
social e estabelecer direitos territoriais.
A agressão entre os humanos (que
desconstrói o preconceito religioso que relaciona o termo “humano” à bondade),
extrapola aspectos que poderiam ser atribuídos à carga genética de seus
ancestrais primatas (por exemplo). Ao longo de alguns milhões de anos, o australopithecus inseriu a carne de
outros animais como item indispensável à sobrevivência própria. A exoviolência
foi potencializada pelo homo erectus,
que passou a desenvolver as primeiras tecnologias para matar. Com a chamada
Revolução Cognitiva, a partir de 70 mil anos Antes do Presente (AP), o homo
sapiens aperfeiçoou as armas da pedra lascada (e de madeira) para dominar o
planeta e levar à extinção muitas espécies de grande porte, como foi o caso dos
diprotodonte (na Austrália), dos mamutes (na Sibéria), das preguiças-gigantes
(na América). O homo sapiens,
avançando e dominando todos os territórios, constituiu-se, segundo o
historiador Yuval Noah, na “força mais importante e mais destrutiva que o reino
animal já produziu”.
A matança de outros animais para
sobreviver, certamente, fez com que o homem transferisse a prática contra os
membros da própria espécie – para manter hierarquia e poder dentro de determinado
grupo.
Hoje os japoneses podem ser observados
a caçar as baleias por interesses comerciais, uma extrapolação da necessidade alimentar.
A maioria das guerras foi realizada por esse motivo, justificando-se, sob as
pretensões dos envolvidos, a morte de milhões de indivíduos humanos.
Em algum momento de sua evolução, o
homem passou a incluir a morte de outros animais nos jogos, para o simples
entretenimento. Noutro tempo, os jogos (que precederam a própria cultura, segundo
Johan Huizinga) incluíram a criatura humana para ser abatida em competições
violentas. A caça propiciou um excedente em alimento e se transformou em jogo
(para que o caçador não perdesse o jeito). Essa prática é mais evidente a
partir da Revolução Agrícola, aproximadamente há 12 mil anos.
Nos países mais ricos, a caçada se
perpetua como uma tradição, um valor cultural. O prazer de matar
desportivamente, todavia, consiste numa anomalia do homem civilizado, não
autopercebida pelo desportista. Assim se comporta o matador de Cecil, o leão do
Parque Nacional de Zimbábue. Ele é protegido pelas leis de seu país, ponta de
lança de uma civilização que também se caracteriza pela crueldade gratuita. A
comoção suscitada pelo fato denuncia a má consciência do cristão, cuja filiação
religiosa foi fundada num ato violento, no sangue derramado na cruz.
O mito é uma invenção do homo sapiens, uma forma poderosa de
amálgama social – reguladora da natureza instintiva. A ficção nasceu com a
linguagem, e ambas são produtos da Revolução Cognitiva, humanização que se
efetivou ao longo dos últimos 70 mil anos.
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