terça-feira, 30 de dezembro de 2014

NATAL E RÉVEILLON - DUAS CONSIDERAÇÕES

I - Natal e Réveillon estão destinados a se transformarem numa festa única. Em alguns aspectos, a "fusão" já pode ser observada nestes dias (na ceia e no foguetório, por exemplo). A religiosidade do primeiro cede espaço para o profano, a ponto do Papai Noel quase eclipsar a figura do Menino Jesus. A secularização do segundo passa a adquirir um caráter religioso pós-moderno: as pessoas fazem um balanço mais ou menos espiritual de suas vidas.

II - Natal e Réveillon se sustentam em mitos, autoenganos, mentiras. De uma forma bastante resumida: o Natal é de origem pagã; o Menino Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro; ele não é o que os cristãos acreditam ser; o cristianismo é uma religião ultrapassada; o Papai Noel não existe; a maior função dessa representação nórdica é comercial; o amor entre familiares é provisório (uma ilha cercada de distâncias); o 1º do ano foi instituído pelo senado romano (recuando de 1º de março a 1º de janeiro por um motivo meramente político); o próprio calendário é parcial, cheio de erros (limitado pela mítica cristã); o rito de passagem é exclusivo da civilização ocidental (nenhum fenômeno natural o delimita no espaço-tempo); toda esperança no novo ciclo contradiz o pouco de gratidão que os festeiros expressam pelo ciclo passado. O dia 31 de dezembro não é o dia 31 de dezembro. O dia 1º de janeiro não é o dia 1º de janeiro. Noutras palavras, a vida continua presa à mesma marcha de Cronos. Esses dois dias são apenas dois dias, como qualquer outros dois dias do ano. 

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

DESABAFO

Postar sobre livros? Inútil. Não há leitor interessado. Sobre ideias? Memes perdidos. Ninguém está interessado em ideias. 
A desculpa é que escrevo difícil. Que difícil, que nada. 
Hoje, lendo A ESCALADA DO MONTE IMPROVÁVEL, livro de Richard Dawkins (um dos três maiores intelectos vivos do planeta), fui tomado pela autocrítica depreciativa: para que ler? 
Para que apostar no conhecimento científico e filosófico -arcabouço intelectual do paradigma da modernidade. O saber me leva ao isolamento, uma vez que a maioria das pessoas próximas a mim obedece a outro paradigma, cujo arcabouço é o cristianismo (da mesma forma que soía acontecer na Idade Média). 
Fechei o livro, decidido a parar um pouco, mudar de leitura, sei lá. 
Adianta compreender a fundo a verdade do evolucionismo, para, na hora de debater com um criacionista, ficar em pé de igualdade com a sua opinião? 
Santiago, se ninguém ainda disse com acerto, digo agora, constitui uma sociedade atrasadíssima, quase medieval. 
Não é apenas pela falta de leitura, pela falta de conhecimento... 
As comemorações de Natal (discursos e hábitos) provam esse atraso.

domingo, 28 de dezembro de 2014

PONDÉ



No livro Contra um mundo melhor, Luiz Felipe Pondé faz uma longa e complexa descrição de si mesmo. 
Desde o início, o autor repete que é cético e trágico. No final, confessa-se ser filosoficamente ateu que passou a não ateu. Viu-se obrigado a estudar os deístas, para melhor definir o que ele vê "escorrer pelo céu" - a misericórdia.
Um cético que experimenta a "sensação de que o mundo é sustentado pelas mãos de uma beleza que é também uma presença que fala" (tipo o Javé dos judeus). Isso é crença num ser transcendente.
Um trágico não crê na misericórdia, denegação da tragédia.
Tais contradições colocam o filósofo (e agora místico) no torvelinho da pós-modernidade.   

sábado, 27 de dezembro de 2014

TRÂNSITO: CÁLCULOS

Um dos argumentos contrários a obediência dos 80 km/h (em algumas rodovias com pistas duplicadas, a velocidade já é de 100 ou 110 km/h), consiste em defender a morosidade da viagem. Ao relatar a proeza de ir de Santiago a Curitiba (saindo pela RS-377), obedecendo ao regulamentado pela sinalização, meu interlocutor emendou que, certamente, minha viagem demorara dois dias. Na hora, não dispunha de uma calculadora (ou de caneta e papel) para mostrar-lhe o seguinte cálculo: 
1) a 80 km/h (se fosse possível essa velocidade constante), a viagem de 900 quilômetros demoraria 11,25 horas;
2) a 120 km/h (mantendo essa velocidade constante), o mesmo percurso seria percorrido em 7,5 horas.
A leitura dos números acima indica que o tempo ganho com a velocidade maior foi de três horas e pouco. 
Essa diferença se justificaria em caso de urgência efetiva (não  de urgência desnecessária, sempre racionalizada pelo sujeito da ação de dirigir). 
Os riscos de acidente aumentam numa razão diretamente proporcional à velocidade. Ninguém elaborou uma equação para tal. O risco zero - isto é inquestionável - só ocorre com a velocidade zero. O risco 1, proponho, correspondeu à velocidade de 10 km/h. O risco 2, a 20. O risco 8, a 80. Essa relação só é verdadeira até o que foi determinado pela sinalização. Num trevo, por exemplo, onde a velocidade máxima permitida é de 40 km/h, o valor 4 só vale para uma velocidade igual a 40. A partir dessa velocidade, o risco de acidente aumenta numa proporção aritmética. Nesse trevo hipotético, 50 km/h representa um acréscimo de 4 (e não 1). A 80 km/h, o acréscimo é de 64. E assim por diante. Nas rodovias, cuja velocidade máxima regulamentada é de 80 km/h, a velocidade de 120 representa 64. A 130, esse risco dobra. A 150, o risco é de 256. 
Esses cálculos consideram a trafegabilidade da pista e a estabilidade do veículo, que devem ser satisfatórias.  


terça-feira, 23 de dezembro de 2014

TRÂNSITO: ANOTAÇÕES

No estudo de como o homem se comporta no trânsito, aproveito todas as oportunidades para melhor conhecer o sujeito da ação de dirigir. A princípio, ele se caracteriza por comportamentos que redundam desde a observância moral à transgressão irresponsável, da normalidade à loucura. 
Em Santiago, os motoristas se dividem em diurnos e notívagos. À luz do Sol, alguns deles chegam a ser educados, outros ainda “barbeiros”. Depois da meia-noite, os ases do volante despertam, predispostos ao suicídio. Menos mal que são poucos. 
Ao viajar até Curitiba (semana passada), constatei uma melhora significativa do gaúcho nas rodovias. Raras vezes, anotei ultrapassagens em local não permitido. Outras vezes, velocidade alta. Penso que essa transgressão será a última a ser coibida. O prazer propiciado por ela é pulsional. 
Nenhum dado negativo em Santa Catarina, ao longo da BR153 ou dentro da cidade de Concórdia (onde dirigi à noite, procurando hospedagem). 
Ao entrar no Paraná, percebi que a polícia se faz mais presente (blitz, teste do bafômetro, leitura dos documentos de todos os viajantes). Próximo à capital, o fluxo de veículos se intensifica assustadoramente. A altíssima velocidade só diminui em frente aos controles eletrônicos. Placas de 60 e 80 km/h são inúteis. Ao obedecê-las, ouvi buzina de reclamação (ou de troça). O certo andando errado. 
Em Curitiba, ainda de dia, repete-se o que ocorre à noite em Santiago: mudança brusca de faixa, disputa emulativa e o escambau. Muitos automóveis rodando amassados. Uma carreta tombada e uma moto dentro de um riacho, os dois acidentes dentro do perímetro de Curitiba. 
A BR101 é um excelente laboratório para ampliar meu conhecimento, descendo a Serra do Mar com chuva até Itajaí (onde fui ver um amigo). À exceção de alguns caminhoneiros, corre-se menos perigosamente sobre a pista com sentido exclusivo. (Cont.) 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

CASSAL, UMA REFLEXÃO

O blogueiro Cassal posta sobre um dos problemas que mais afetam a existência humana:
"A pergunta mais óbvia deve ser qual o sentido da morte, daí, sim, saberemos qual é o sentido da vida. Às vezes, para ver melhor um desenho, é necessário nos afastarmos um pouco".
O homem é o único ser consciente que vai morrer um dia. Esse conhecimento é o ônus de ter adquirido consciência. 
Se considerarmos a lógica da correspondência, para cada ônus um bônus, saber que vai morrer deve oferecer alguma vantagem ao homem, em relação à alimária.
Os mitos e as religiões, desde tempos primevos, ofereceram explicações sobre o significado da morte. Nesse aspecto, minoraram o sofrimento causado pelo medo, angústia, sentimento de perda... O dogma cristão, por exemplo, prega uma vida transcendente, prazerosa e eterna, o que eliminaria o problema da morte. Em contrapartida, a vida real foi eivada pela culpa (pelo pecado), transformada em algo ruim. Nietzsche acertou em cheio: "A decisão cristã de fazer este mundo feio e mau, fez este mundo feio e mau". 
Alinho-me a Luc Ferry, filósofo da atualidade, que pensa sobre a "divinização do humano" ou "humanização do divino", considerando a vida algo de extraordinária beleza, momento exclusivo de felicidade. A morte não me assombra mais. Qualquer sentido dado a ela não pode depreciar o valor da vida.  

SURDEZ ANTINATURAL

No verão, não ouvimos o estrídulo desesperado da cigarra macho. Certamente, isso não ocorre porque o espécime homóptero desapareceu sob a soalheira da tarde (sem encontrar a fêmea correspondente), mas porque, para ouvi-lo, não temos mais o sentido suficientemente apurado. Não temos mais o que nossos antepassados tinham no mais alto grau. 
A mente destes dias passa a sofrer de uma perda crescente de sensibilidade, causada pelo barulho que fazemos artificiosamente. Isto mesmo! Nosso dia a dia é movido pelo artifício, o grande paradigma que nos distancia das vozes da Natureza. 
O estrídulo da cigarra é apenas uma dessas vozes, entre milhares de outras (desde a emitida por um simples inseto à música das esferas). 
A nossa surdez é um fato. 
À exceção do relógio, que tiquetaqueia em algum lugar da casa, e do sino da Matriz, que marca o meio-dia e a Hora do Ângelus, tudo mais agride pela falta de ritmo. Ouvimos das coisas seus descompassos, seus ruídos pela forma aleatória com que se arranjam no tempo e no espaço. 
Ouvimos do coração sua arritmia, não o ritmo natural. Por isso, os versos que produzimos são tão ruins, a despeito de reivindicarmos a condição de poeta. Por isso, os nossos desejos e frustrações ocorrem com a mesma intensidade e revelia - sístole e diástole de um individualismo que beira a enfermidade. 
Não apenas apresentamos problemas de audição, mas também de memória (efetiva e afetiva), a ponto de nos esquecermos do outro, ainda que ele seja nosso pai num asilo, ou nosso filho fechado num automóvel. 
A primeira prova dessa verdade consiste em não ouvirmos o estrídulo desesperado da cigarra macho no verão.

(Do meu livro Palavras de fogo, página 73)

domingo, 14 de dezembro de 2014

EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES

A evolução das espécies por intermédio da seleção natural foi uma das maiores descobertas de todos os tempos, a qual forçou a decadência do paradigma que resistia ao iluminismo da razão, do conhecimento filosófico e científico. 
Um dos mal-entendidos propalados pelos criacionistas contra o darwinismo é de que a evolução ocorreria por puro acaso, aleatoriamente. Não é assim.
Para melhor compreendê-la, transcrevo um exemplo de Richard Dawkins (dado por ele para se referir à impossibilidade de as mutações anteciparem as necessidades do organismo, o oposto do acaso). 
Vamos imaginar que uma idade do gelo esteja se abatendo sobre uma região antes temperada e que a população local de cervos esteja perecendo devido ao pelame leve (pouco espesso). O frio não é o agente provocador da mudança na genética dos ungulados, no sentido de eles criarem mais pelos. O clima será responsável por eliminar os filhotes que nascerem com os pelos mais ralos, em favor daqueles que, ao contrário, nascerem mais peludos. A fêmea do cervo pode produzir dois filhotes (entre oito e nove meses de gestação). Em mil anos de frio crescente, dez, vinte, cinquenta gerações de cervos ocorrerão até que filhotes com pelame espesso passam a ser a regra.
No exemplo acima, a glaciação fez a seleção, não o acaso (como insistem os detratores do evolucionismo). 
    

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

PRIMEIRO CÍRCULO INTERATIVO

O Centro Cultural de Santiago está organizando o Primeiro Círculo Interativo, baseado nos temas autorreveladores do meu livro Palavras de fogo. O debate faz parte das comemorações de aniversário do Centro Cultural, que ocorrerá no dia 13 de dezembro de 2014 (sábado), às 20 horas. A ideia partiu da D. Enadir Vielmo e teve a aceitação de Márcio Brasil, atual presidente da instituição. Os debates incluirão temas pertinentes: educação, drogas, consumismo, individualismo radical, felicidade, justiça, ecologia (questão da água), livros, trânsito etc. 
Antecipadamente, agradeço pela deferência, pelo reconhecimento.   

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

CAMPANHA SANTIAGO SOLIDÁRIO

A campanha Santiago Solidário propunha arrecadar um real de cada habitante santiaguense. Os beneficiários não poderiam ser mais merecedores de nossa solidariedade: os idosos que vivem no Asilo Santa Isabel.
Depois de dois meses de execução da campanha, as urnas foram recolhidas para a contagem do dinheiro arrecadado. A princípio, pensava-se que as doações acima de um real compensariam as abstenções, que haveriam por conta dos motivos seguintes: desconhecimento da campanha, dificuldade para acessar uma urna, indiferença, livre decisão de não colaborar, desconfiança...
Os três últimos requerem uma atenção especial, uma vez que não são autojustificáveis.
A indiferença, para alguns estudiosos do comportamento humano, constitui a verdadeira antípoda do amor. Ela passa a caracterizar o novo modo de existência determinado pelo individualismo radical. A pessoa indiferente não ouviu sobre a campanha e tampouco viu urna coletora em algum lugar, embora não faltasse oportunidade para tal. Ela não tomou conhecimento simplesmente.
Outros tomaram conhecimento e decidiram que não colaborariam por um motivo pessoal, sem racionalização. Essa atitude, perante o bem auspiciado pela campanha, decorre de um mau uso da liberdade.
Uma das racionalizações consiste na desconfiança que o todo arrecadado não seria utilizado na restauração do asilo. Essa desconfiança é uma das consequências éticas da corrupção que se torna cultural no Brasil, não excluindo os governos em todos os âmbitos da administração pública.
As doações acima de um real não foram suficientes para compensar as abstenções. O arrecadado mal ultrapassou a metade de cinquenta mil, numa demonstração inequívoca de que o espírito solidário não é uma característica da nossa sociedade.
P.S.: E 99% de nossa sociedade são cristãos (católico ou evangélico) e espíritas, que têm na filantropia (caridade) um dos dogmas mais religiosamente corretos.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

LIVROS E LIVROS




Na segunda-feira, recebi Planeta favela, um livro de Mike Davis (um estudo detalhado sobres as favelas no mundo). Já li a metade.
Hoje me chegou A escalada do Monte Improvável, de Richard Dawkins. "Monte improvável" é uma metáfora para ilustrar a evolução da vida em nosso planeta. Outros livros de Dawkins que compõem minha biblioteca: O gene egoísta, O rio que saía do Éden, O relojoeiro cego, A evolução e Deus - um delírio. 

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

PAPA PÓS-MODERNO

Desde a Revolução Francesa, o Estado, cada vez mais racionalmente organizado, aproxima-se de uma laicidade completa. Com a ascensão do papa Francisco, inclusive o Vaticano passa a aceitar algumas verdades estabelecidas pelo paradigma que ele tanto combateu nos últimos séculos. Recentemente, essa autoridade católica admitiu ser o Big Bang e a (teoria da) evolução das espécies compatíveis com a existência de um criador. A despeito de já idolatrarem a figura franciscana do novo papa, os fiéis católicos ainda são criacionistas(não tão radicais quanto seus coirmãos evangélicos). Em São Paulo, por exemplo, a sociedade se organiza em torno do contraponto a Darwin, o "design inteligente". Seu líder, Marcos Eberlin, professor de química da Unicamp, defende que os seres vivos (incluindo o homo sapiens) são os mesmos desde que foram projetados e trazidos ao mundo.
  
Seria essa relativização, um papa científico e um cientista bíblico, uma característica da pós-modernidade? A sociedade continua, como escrevi na postagem anterior, fortemente condicionada pelos memes medievais.  

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

MEMES MEDIEVAIS

Fim de tarde muito quente em São Luiz Gonzaga. 
O cenário na praça central e seu entorno está para confirmar uma ideia que venho desenvolvendo sobre a sociedade desta região (não diferente de outros lugares do nosso Estado, do país, da América Latina). 
Aqui ainda não se vive a evolução cultural oferecida pelo Iluminismo há mais de dois séculos. Esta sociedade continua mais próxima da Idade Média do que da modernidade, não obstante as mudanças de paradigma, fundamentadas no conhecimento científico e filosófico elaborados desde o Renascimento. 
Ao chegar a São Luiz, deparo-me com a Feira do Livro às moscas e uma megaestrutura sendo preparada para o show de abertura do mês natalino na cidade. 
Em duas horas, não vejo um único visitante procurar por um livro em qualquer uma das livrarias, repetindo-se o que ocorrera nos dias anteriores, segundo o testemunho dos livreiros. As queixas destes têm um destinatário certo: os organizadores (gente da Prefeitura). 
Patrocinada pela Endesa Cien, empresa fornecedora de energia elétrica, a feira não têm a atenção merecida, tanto das autoridades municipais quanto do público. Um fracasso completo, que pode ser sintetizado a uma história triste. Mãe e filha passam em frente à Magia das Letras. A menina corre e apanha um livro infantil, cujo preço era de dez reais. A mãe chama-lhe a atenção: “Solta essa porcaria!”. 
Concluo que o desprestígio do livro, ou dito com outras palavras, a falta de leitura, reflete o modus vivendi que não inclui a razão como instrumento de construção social, ou a inclui apenas como poder de racionalizar as próprias crenças (cristãs). O estado laico é uma coisa não compreendida e não aceita pela sociedade, ainda dominada pelos memes medievais.