segunda-feira, 12 de março de 2012

EXCERTOS DE ONFRAY

"Os homens, quando resolvem dar à luz um Deus único, fazem-no à sua imagem: violento, ciumento, vingativo, misógino, agressivo, tirânico, intolerante. Em suma, esculpem sua pulsão de morte, sua parte sombria, e fazem uma máquina lançada a toda a velocidade contra eles mesmos..."
"Em matéria de ciência, a Igreja se engana sobre tudo desde sempre: diante de uma verdade epistemológica, ela persegue o descobridor. A história de sua relação com o cristianismo engendra uma soma considerável de besteiras e tolices. Da recusa da hipótese heliocentrista da Antiguidade às condenações contemporâneas do gênio genético amontoam-se vinte e cinco séculos de estragos para a humanidade."
"Por que razão a Igreja faz tanta questão de perseguir os defensores de uma concepção atomista do mundo? Em primeiro lugar porque a existência da matéria, com exclusão de qualquer outra realidade, leva consequentemente a afirmar a existência de um Deus material. Portanto, à negação de seu caráter espiritual, intemporal, imaterial e outras qualidades que constam em sua carteira de identidade cristã. Ruína, então, do Deus intangível criado pelo judeu-cristianismo."
"Os monoteísmos não gostam da inteligência, dos livros, do saber, da ciência."
"Evidentemente Jesus existiu - assim como Ulisses e Zaratustra, e pouco importa saber se viveram fisicamente, em carne e osso, numa época precisa num lugar identificável. A existência de Jesus não é de modo nenhum comprovada historicamente. Nenhum documento contemporâneo do acontecimento, nenhuma prova arqueológica, nada de certo permite concluir hoje pela verdade de uma presença efetiva na articulação dos dois mundos abolindo um, nomeando outro. Não há túmulo, não há sudário,não há arquivos, com exceção de um sepulcro inventado em 325 por santa Helena, mãe de Constantino, muito dotada, pois também se deve a ela a descoberta do Gólgota e a do titulus, pedaço de madeira que traz o motivo da condenação. Um pedaço de tecido que a datação por carbono 14 atesta datar do século XIII de nossa era e que só um milagre poderia fazer com que envolvesse o corpo de Cristo mais de mil anos antes do cadáver putativo! Finalmente, três ou quatro vagas referências muito imprecisas em textos antigos - Flávio Josefo, Suetônio e Tácito -, certamente, mas em cópias feitas alguns séculos depois da suposta crucificação de Jesus."
"Jesus designa a recusa judaica da dominação romana."
"Jesus concentra sob seu nome a aspiração messiânica da época."
"Quem é o autor de Jesus? Marcos. O evangelista Marcos, primeiro autor do relato das aventuras maravilhosas do denominado Jesus. provável acompanhante de Paulo de Tarso em seu périplo missionário. Marcos redige seu texto por volta de 70. Nada prova que ele tenha conhecido Jesus em pessoa, é óbvio. Um contato franco e claro teria sido visível e legível no texto."
"Paulo apropria-se do personagem e o veste, fornece-lhe ideias. O Jesus primitivo não fala contra a vida. Duas frases (Mc VII, 15 e X, 17) mostram-no sem oposição ao casamento mas nem um pouco fascinado pelo ideal ascético.  É inútil procurar suas prescrições rigorosas no terreno do corpo, da sexualidade, da sensualidade. Essa relativa benevolência com relação às coisas da vida é acompanhada de um elogio e de uma prática da doçura. Paulo de Tarso transforma o silêncio de Jesus sobre essas questões num tumulto ensurdecedor promulgando o ódio ao corpo, às mulheres e à vida. O radicalismo anti-hedonista do cristianismo procede de Paulo - não de Jesus, personagem conceitual silencioso a respeito dessas questões... [...] A conversão a caminho  de Damasco - em 34 - é fruto de pura patologia histérica: ele cai de sua altura (não de um cavalo, conforme mostram Caravaggio e a tradição pictórica...), é ofuscado por uma luz intensa, ouve a voz de Jesus, não enxerga durante três dias, não come nem bebe durante todo esse tempo. [...] Eis uma verdadeira histeria... de conversão! Como viver com sua neurose? Fazendo dela o modelo do mundo, neurotizando o mundo... Paulo cria o mundo à sua imagem. E essa imagem é deplorável: fanático, mudando de objeto - os cristãos, depois os  pagãos, outro sinal de histeria ... -, doente, misógino, masoquista... Como não ver em nosso mundo um reflexo desse retrato de um indivíduo dominado pela pulsão de morte?  Pois o mundo cristão experimenta deleitado essas  maneiras de ser e de fazer. A brutalidade ideológica, a intolerância intelectual, o culto da saúde ruim, o ódio ao corpo jubiloso, o desprezo às mulheres, o prazer na dor que se inflige a si mesmo, desconsideração deste mundo por um além de pacotilha. Baixo, magro, careca, barbudo, Paulo de Tarso não nos da detalhes da doença de que fala metaforicamente: confia que Saã lhe infligiu uma farpa na carne. [...] Freud vê a origem da histeria na luta contra angústia de origem sexual recalcadas  sua realização parcial sob a forma de uma conversão. [...] Golpe do destino ou da necessidade, a vida inflige a Paulo de Tarso uma impotência sexual um uma libido problemática: reação, ele se dá a ilusão de liberdade, autonomia e independência, acreditando livrar-se do que o determina, depois afirma que aquilo que se impõe a ele é escolhido e decidido por ele com plena consciência.  [...] Essa lógica aparece claramente numa proclamação da segunda epístola aos coríntios (XII, 2-10) na qual ele afirma: 'Comprazo-me nas fraquezas, nos insultos, nas opressões, nas perseguições, nas angústias por Cristo! Pois, quando sou fraco, é então que sou forte'. [...] Seu ódio a si mesmo transforma-se num vigoroso ódio ao mundo e ao que constitui seu interesse: a vida, o amor, o desejo, o prazer, as sensações, o corpo, a carne, o júbilo, a liberdade, a independência, a autonomia. O masoquismo de Paulo não é mistério nenhum. Ele coloca sua vida inteira sob o signo dos aborrecimentos, vai ao encontro das dificuldades, gosta dos problemas, alegra-se com eles, deseja-os, aspira a eles, cria-os."
"Paulo, o masoquista, expõe as ideias com as quais o cristianismo um dia triunfa. Ou seja, o elogio da fruição em ser submisso, obediente, passivo, escravo dos poderosos sob o pretexto falacioso de que todo poder vem de Deus e de que toda situação social de pobre, de modesto e de humilde procede de um querer celeste e de uma decisão divina."
"... Concílio de Niceia em 325. [...] Constantino se autoproclama 'décimo terceiro apóstolo', Paulo de Tarso passa a ter um fiel de braço armado."

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