terça-feira, 30 de novembro de 2010

A VERDADE

Se é eu que digo, meu amigo Ivan Zolin cofia sua longa barba e me replica eufórico, mas agora vazou pelo Wikileaks o que disse Nelson Jobim acerca de Hugo Chaves. Apenas a verdade, nada mais que a verdade. Para o ministro da Defesa, a Venezuela (não seria seu presidente?) causava preocupação, uma vez que poderia "exportar instabilidade". Secretamente, o governo brasileiro era sério. Num âmbito que excluía os próprios "amigos" sul-americanos. Todavia, como imagem, para bolivariano ver, Lula estava com Chaves, Evo... 
Aos poucos, a verdade.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

GUERRA DE IMAGENS

O mundo midiático e, por extensão, o mundo como um todo é dirigido pelas imagens que produz, num ciclo que já não se sabe mais o que vem antes e o que vem depois (ovo-galinha). Não fossem as imagens de automóveis e ônibus sendo queimados pelos criminosos no Rio de Janeiro, dificilmente veríamos a polícia responder com maior força, produzindo contraimagens com um inegável apelo subliminar. A estratégia é de tomar o território (que coisa linda!), de preferência sem causar baixas do lado podre, para logo instalar a polícia pacificadora. Tão patéticas quanto a fuga dos bandidos são as bandeiras fincadas no alto do morro (imagens para serem exportadas de um Rio de Janeiro que faz por merecer a sede olímpica). Vila Cruzeiro e Morro do Alemão eram apenas dois pontos de comandamento do crime organizado, mas e os outros? A polícia, com o auxílio das Forças Armadas, continuará com as "invasões"? O diabinho do pessimismo me responde que, depois dessa guerra de imagens, tudo voltará ao "normal". 
(Na carona das imagens, há interesses políticos da parte dos governos estadual e federal. Jobim, por exemplo, está sendo confirmado na Defesa pela futura presidente Dilma Rousseff.)

sábado, 27 de novembro de 2010

CAPA DO ZERO HORA


Acabei de receber o Zero Hora, que traz a imagem e a manchete acima. Na Reportagem Especial (páginas 4-5), destaque para o gaúcho José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio de Janeiro. Esse é o cara. 

RIO DE JANEIRO

Em longas conversas com meu tio Raul, eu defendia a participação do Exército no combate ao tráfico, ao emprego de armas e à violência no Rio de Janeiro. Ele discordava, brizolista de cruz na testa. Morador da rua Leopoldo, a duas quadras do Morro do Andaraí, trabalhava como taxista (depois de aposentado). Para apanhar seu táxi ou guardá-lo na garagem, andávamos na linha limítrofe entre o morro e o asfalto. Ali os bandidos controlavam o trânsito, armados até os dentes. A polícia não chegava ali. 
Morei no Rio em 1984 (10 meses), em 1987 (quatro meses) e 1993 (quatro meses). Sou testemunha (mais auditiva que visual) do bang bang que ocorria em pleno dia e se intensificava à noite. Apanhava o ônibus e (mais adiante) o trem para Marechal Deodoro, onde frequentava os cursos da Escola de Material Bélico. Andava na rua acossado com o eco dos tiros que vinham do morro. Em frente à panificadora em que comprava leite, os vendedores de droga faziam ponto na parada final do 217. Noutros lugares, policiais vendiam armas para os bandidos. Eu vi. 
O primeiro assalto que presenciei no interior do Grajaú - Leblon, ao meio-dia e meia, contemplei uma pistola automática a 50 cm destes olhos que o céu há de levar. Nunca fui assaltado ao longo dos 18 meses que morei no Rio, onde andava por todos os lugares (menos dentro das favelas). 
Diante do discurso mais radical, tio Raul me contraponteava. Para ele, o morro era habitado por trabalhadores, que os grandes traficantes de armas e drogas eram magnatas do asfalto. Eu não queria aceitar que o Estado (juízes, delegados, policiais etc.) pudesse imiscuir-se no crime. Pessoas ligadas ao Brizola (e rompidas com ele) afirmaram que o candidato discursava nas "comunidades" que se eleito fosse (a primeira vez) a polícia não subiria o morro. Não acreditei, quando me disseram tal coisa.
Também fui testemunha no Rio da má fama da polícia. Os cariocas, do morro ou do asfalto, eram unânimes em execrar policiais. Os bandidos não os amedrontavam tanto quanto. Para mim, isso era o fim. Nós, do Exército, não podíamos andar fardados na rua, ao contrário do que acontece em Santiago. 
Finalmente, minha proposta de invasão ao morro, com a tropa que fosse necessária (todas as polícias, Marinha, Aeronáutica e Exército), começa a reverter o quadro que parecia inexorável. Para tomar o território, desarmar o bandido e prender todos os envolvidos com a droga, do grande traficante ao vendedor da "boca".    
Espero que a partir dessas primeiras operações, todos os brasileiros passem a acreditar na ordem, no bem (muitas vezes instituídos ou recuperados pela força). 

COMENTÁRIO DO JAYME PIVA

Meu caro Froilam: 

Começo por cumprimentá-lo. E dizer da minha redobrada satisfação vivenciada na minha recente estada em nossa querida Santiago: ser distinguido com o título de Patrono da 12a Feira do Livro e reencontrar o amigo, para ser contemplado com sua inspirada obra "Vozes e Vertentes". O livro, acabei de ler numa sentada, e sofregamente, sem pausa para respiração. Constitui a reafirmação literária de um vate de primeira grandeza, sensibilidade e romantismo à flor da pele, de esplendente criatividade , a entonar cânticos e louvores de rara beleza, aformoseando a singeleza da vida. 

Leitor assíduo das tuas inteligentes crônicas no Expresso, alinhavo aqui a minha admiração e o sincero agradecimento por essa dádiva, esses florilégios de ternura que vertem e se esparramam da tua poética. Meus parabéns. 

Jayme Camargo Piva

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

MODELO DE APRESENTAÇÃO

A Lise Fank lançou seu Poetemas em novembro de 2008, para a 11ª Feira do Livro de Santiago (que tinha a poeta como patronnesse). Escrevi a apresentação do livro, postada neste blog: Um novo enunciado na Terra dos Poetas. Basta um clique nesse link (e o visitante terá um modelo de como fazer uma análise literária).   

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A REBELIÃO DAS MASSAS

Um livro que amalgama filosofia e sociologia: A rebelião das massas. Vale por um curso inteiro. Destaco este excerto da página 48: "A característica do momento é que a alma vulgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o impõe em toda parte. [...] A massa faz sucumbir tudo o que é diferente, egrégio, individual, qualificado e especial"
Quanta atualidade!!!

terça-feira, 23 de novembro de 2010

PESSOAS

Uma coisa boa da feira do livro foi ter dado azo ao (re)encontro entre pessoas (que, sem o evento, dificilmente aconteceria). Ainda não sou misantropo para deixar de fazer este registro, mesmo que extemporâneo aos post da feira encerrados abaixo. No meu caso, reencontrei o Jayme Piva, o Neltair Abreu, os irmãos do Santiago, o Tadeu Martins... Foi um prazer ter conhecido Leo Fett e Weimar Donini. Aquele, um senhor octogenário, de uma simpatia rara; este, assíduo interlocutor dos blogueiros santiaguenses. Homens inteligentes, de fala doce, que vieram à nossa cidade por motivo da feira e dos amigos. 
Donini, um abraço!

VERSO LIVRE

Toda segunda-feira, às 18 horas, continuo com a oficina de arte poética no Centro Cultural. No último encontro, estudamos o verso livre (o preferido da professora Arlete Cossentino). A primeira coisa que o iniciante na poesia deve saber é que o verso livre não consiste em “cortar a prosa em pedaços arbitrariamente”, como o expresso por João Cabral de Melo Neto (que não escreveu versos livres). Nesse aspecto, tenho lido muitos poemas escritos linearmente, como se prosa fosse, com a única diferença de terminar antes do final da linha. Sem qualquer observância à teoria do verso livre, como a que trata do polirritmo. Ao analisarmos dois dos maiores poetas da língua portuguesa, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade, vamos constatar que seus poemas feitos com versos livres, heterossilábicos, sem métrica e rima, recorrem a outros recursos que são observados na produção poética mais antiga (presente nos textos bíblicos, por exemplo). Entre esses recursos, Armindo Trevisan destaca o paralelismo. O paralelismo dá ritmo ao poema, substituindo o isossilabismo, pela repetição da estrutura gramatical que caracteriza o verso. Para produzir em versos livres, o iniciante na arte literária deve conhecer o ritmo. Sem exagero, ele deverá produzir um soneto. Nada supera em beleza essa forma fixa de poema, criada na Itália há mais de 700 anos, por Giacomo Notaro, cultivada por Francesco Petrarca, trazida para Portugal por Sá de Miranda, elevada à perfeição lírica por Luís de Camões e cultivada até nossos dias por grandes poetas. O soneto transcendeu a revolução modernista na pena de um Vinícius de Moraes, por exemplo. Fortunato de Oliveira, um dos participantes da nossa oficina, tem belos e inéditos sonetos. Depois de alguns acertos formais, ele os publicará certamente. Isto também é válido para os versos livres: a forma não está proscrita.  

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

ÚLTIMO COMENTÁRIO SOBRE A FEIRA DO LIVRO

Era grande minha expectativa para ouvir o convidado especial da Feira do Livro. Não me importei de esperar mais uma hora em pé para ouvi-lo (atraso em razão das exigências do artista, da tietagem, das entrevistas e da falta de pontualidade que já viciou a nossa cultura). O palestrante contou historinhas da avó, da tia-avó, da namorada, do poeminha que escreveu para cada uma delas e improvisou vocalmente o som do rap que o consagrou. Não falou de livro algum (à exceção do seu), frustrando os leitores adultos que o ouviam em pé. A turminha do barranco interrompia a fala, exigindo que o palestrante se transformasse em happer. Cansado de trocar de perna, procurei algum lugar para me sentar no outro extremo da feira (onde bati um papo com o Breno Serafini). Outras pessoas deixaram o local da palestra antes da hora, também pelo adiantado da hora. 
A feira em 2010 foi superior em tudo à edição anterior, uma evolução inegável, mas perdeu no convidado: Luiz Coronel saiu-se muito muito muito melhor. Infelizmente, a qualidade deixou de ser um parâmetro para atrair o público. 

domingo, 21 de novembro de 2010

LIVROS LANÇADOS

Ontem me detive nos autores que lançaram suas obras na 12ª Feira do Livro (a partir das 19 horas):
- Mosaico Laico, de Breno Camargo Serafini;
- Descaminhos, de Fátima Friedrieczewski;
- Jura, de Tadeu Martins;
- Memórias Vivas, de Leo Petersen Fett. 
(Não comprei o livro do Santiago e do Mário Simon.)
Nessa manhã, li o três primeiros. O melhor de Mosaico Laico são as micrologias, de Deleituras, e as paráfrases de Drummondianas. Do último capítulo, Diário da Obsolescência, destaco esse título.
De Descaminhos, da Fátima, transcrevo o poeminha...
uma pipa
eleva cores
ao céu
.
- arco-íris
de papel 
.
A poetisa (com "s") lamenta os erros de diagramação do livro, por conta da gráfica. 
O romance poético do Tadeu Martins (leitor da minha coluna do Expresso Ilustrado em Santo Ângelo) é extraordinário. Os versos de Jura me lembraram o grande Manoel de Barros:
as garças plantavam jasmins no poente;
.
dizia que as sobrancelhas
e os pelos do nariz cresciam
quando ele estava de lua;
.
as labaredas negras do cabelo
inquietas pela babosa e pelo vinagre
traziam o perfume das sangas
no entardecer.
.
Até o formato do livro (com folhas soltas dentro de uma caixa, presas por uma fita) imita Memórias inventadas do "poeta do Pantanal". 
.
Daqui a pouco irei à feira outra vez, para ouvir o que Gabriel, o Pensador tem a dizer sobre  leitura. O homem está sendo bem pago para isso. 

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

LIVROS

Ontem fui à Feira do Livro (de Santiago). Vendo a estrutura que a abriga, não pude conter uma palavra de admiração: grande! A evolução é visível de uma edição a outra, inclusive pela resposta do público que, finalmente, vai à praça. Para chegar a esse estágio de organização, diga-se de passagem, foram necessárias as edições anteriores (desde a simples exposição de livros sobre a calçada). O professor Noé Oliveira que o diga.
Minha primeira ida à feira, rendeu-me seis livros:
- Diferença e Negação na Poesia de Fernando Pessoa, de José Gil;
- Miguel Pampa, de Carlos Nejar;
- Coleção Fortuna Crítica - Carlos Drummond de Andrade, de Sônia Brayner;
- Os melhores contos de Autran Dourado, seleção de João Luiz Lafetá;
- Noite, de Erico Veríssimo;
- Os seios de Joana, de Jayme Camargo Piva. 

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

CONFISSÃO DE UM BIBLIÓFILO

Livro é meu chão, meu céu, meu sonho (de consumo). Com ele amanheço, viajo e adormeço. Com ele meço o prazer e a dor do ser. Por ele corro mundo, faço tudo, vou a fundo. Por ele abro mão do sono e da televisão. Na contramão de muita gente, sou apenas leitor (como Borges, que se orgulhava das páginas que havia lido). Livro é meu beabá, onde aprendo a ler todo dia. Livro é meu abc (de saber e poesia). De Zezé a Zaratustra, livro é meu pé de laranja lima, meu assim falava quê. Por ele esperava ansiosamente a volta do pai que fora comprá-lo na cidade. Por ele espero com a mesma ansiedade a chegada do correio. Com ele o tempo passo (mais que passatempo). Com ele acerto o passo na marcha do conhecimento. Livro é meu guia, minha luz e minha via. Com ele percebo estrelas, flores e pássaros (fora da galáxia e da estação). Com ele curto a liberdade de seguir ou não seguir a linha entre palavras, entrelinhas. Por ele abro picadas no escuro, com os olhos da imagin(ação). Por ele procuro o coração preclaro. Livro é meu tesouro (sempre encontrado à base do arco-íris, em algum lugar deste quarto de leitura). Minha água, meu alimento, meu fogo. Por ele vale a pena ter a alma com sede, fome e frio, condições para o imediato regozijo. Livro é minha razão, meu advogado, meu professor. Com ele defendo qualquer argumento contra a ignorância. Livro é meu hipertexto anterior ao wwwpontocom (com suas citações, notas de rodapé, bibliografia, índice onomástico etc.). Com ele mantenho uma relação de bibliofilia desde a primeira vez que o vi, que o li a primeira vez. Por ele vou à 12ª Feira do Livro de Santiago. 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

UM EXERCÍCIO DE VIRTUOSE ROSEANA

Carta de Guimarães Rosa a Jorge Cabral:
Cônsul Caro Colega Cabral, - 
Compareço, confirmando chegada cordial carta. Contestando, concordo, contente, com cambiamento comunicações conjunto colegas, conforme citada  Consolidação Confraria Camaradagem Consular. Conte comigo! Comprometo-me cumprir cabalmente, cabralmente, condições compendiadas cláusulas contexto clássico código. (Contristado, cumpre-me cá conjeturar - cochichando, como convém -: conseguirá comezinha  Consolidação coligar cordialmente conjunto colegas?... Crês?... Crédulo!... Considera: ... "cobra come cobra!..." Coletividade de cônsules compatrícios contém, corroendo carne, contubérnios cubiçosos, clãs, críticos, camarilhas colitigantes... Contrastando, contam-se, claro corretos corretos contratipos, capazes, camaradas completos.) Concluindo: contentamo-nos com correspondermo-nos, caro Cabral, como coirmãos compreensivos, colaborando com companheiros camaradas, combatendo corja contumaz!...
Contudo, com comedida cólera, coloco-me contra certos conceitos contidos carta caro colega, cujas conclusões, crassamente cominatórias, combato, classificando-as como corolários cavilosos, causados conturbação critério, comparável consequências copioso congestão cerebral. Caso concordes cancelá-los, confraternizaremos completamente, com compreensão calorosa, cuja comemoração celebrarei consumindo cinco chopes (cerveja composta, contendo coisas capciosas: corantes complicados, copiando cevada, causando cólicas cruéis...)
Céus! Convém cobrar compostura. Censo contumélias, começando contar coisas cabíveis, crônicas contemporâneas:
Como comprovo, continuo coexistindo concerto conviventes coevos, contradizendo crença conterrâneos cariocas, certamente contando com completa combustão, cremação, calcinação corpos cônsules caipiras cisatlânticos...
Calma completa? Contrário! Cesado crepúsculo, céu continuamente crepitante. Covergem cimo curvos clarões catanuvens, cobrindo campinas celestes, crivadas constelações. Convidados comparecem, como corujas corajosas, contra cidade camuflada. Coruscam céleres coriscos coloridos. Côncavo celeste converte-se cintilante caverna caótica, como casa comadre camarada. Crebro, cavernoso, colérico, clama colossal canhoneio. Canhões cospem cometas com causa carmesim. Caem coisas cilindro-cônicas, calibrosas, compactas, com carga centrífuga, conteúdo capaz converter casas cascalho, corpos compota, crânios canjica. Cavam-se ciclópicas crateras (cultura couve-colosso...). Cacos cápsulas contra-aéreas completam carnificina. Correndo, (canta, canta, calcanhar...) conjurando Churchill, conjeturando Coventry, campeio competente cobertura, convidativo cantinho. Caso-me com chão, cautelosamente. Credo! (Como conseguir colocar-me chão carioca - Confeitaria Colombo, CC., Copacabana, Catumbi???...) Cubiço, como creme capitoso, consulados Calcutá, Cobija!... Calma, calma! conseguiremos conservar carcaças.
Contestando, comunico cá conseguimos comboiar cobre captado (colheita consular comum), creditando-o cofres consignatário competente. Calculo consegui-lo-ás, contando caves corajosamente.
Conforme contas, consideras cós curto como cômoda conjuntura, configuradora cinematográficos contornos carnes cobiçáveis. Curioso! Caso curtificação continue, conseguiremos conhecer coxas, calças?... Cáspite!
Continuarei contando. Com comoção consentânea com cogitações contemporãneas, costumo compor canções. Convém conheças:
CANTADA
Caso contigo, Carmela,
caso cumpras condição
Cobrarei casa, comida, 
cama, cavalo, canção,
carinho, cobres, cachaça,
carnaval camaradão,
cassino (com conta certa)
cerveja, coleira e cão,
chevrolé cinco cilindros,
canja e consideração,
calista, cabeleireiro,
cinema, calefação, 
chá, café, confeitaria,
chocolate, chimarrão,
casemira - cinco cortes,
cada compra - comissão,
conforto, comodidades,
cachimbo, calma,... caixão.
.
Convém-te, cara Carmela?
Cherubim! ... Consolação!...
.
(Caso contrário, cabaças!,
casarei com Conceição.)
.
Caso contigo, Carmela,
correndo, com coração!...
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Chega. Caceteei? Consola-te: Concluí.
Com cordial, comovido:
Colega, constante camarada,
a) J.Guimarães Rosa
(Cônsul, Capitão, Clínico conceituado.) - 
Confirme chegada carta,
comunicando-me com cartão.
.
(Publicado na Folha de S. Paulo em 30 de agosto de 1987. A página desse jornal foi zelosamente guardada em meio a um livro do próprio GR pelo Dr. Valdir Pinto.)

domingo, 14 de novembro de 2010

COMENTÁRIOS ESPECÍFICOS

Lendo uma biografia de Anton Tchekhov, um dos maiores contistas universais, fiquei sabendo que, décadas antes da Revolução Russa de 1917, já existia campo de trabalhos forçados na Sibéria. Uma crítica apenas ao governo imperial bastava para justificar a condenação ao "inferno gelado". O gulag, criado pelos socialistas, aproveitou-se de uma estrutura preexistente (para onde foram mandados seus antigos "gerenciadores", ligados aos czares).
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Nesta manhã, li o conto A assassinato, de Tchekhov. Nesse conto, o autor desenvolve a técnica de alongar a narrativa depois de seu aparente desfecho (o assassinato do personagem principal, no caso). É como se Machado de Assis fosse além da morte de Camilo (provocada por Vilela) em A cartomante (sem diminuir o impacto desse ápice). 
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Com relação a esse gênero literário (o conto), cito três outros gigantes da literatura mais próxima de nós: João Guimarães Rosa, Jorge Luis Borges e Julio Cortázar. Se tivesse que escolher um entre os autores acima, considerando-o apenas como contista, na minha biblioteca não faltaria Cortázar. 
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A propósito, Cortázar, ao lado de Clarice Lispector, constitui uma das maiores influências de Caio Fernando Abreu. No livro O ovo apunhalado, o contista nascido em Santiago cita o argentino em epígrafe. 
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Um dos contos de Cortázar que não me sai da cabeça, depois de três ou quatro leituras, encontra-se no livro Todos os fogos O fogo: A saúde dos doentes

sábado, 13 de novembro de 2010

UMA EXPERIÊNCIA

Toda experiência é única, considerando-se o tempo em que ela ocorre. Como o tempo determina o espaço (e vice-versa), o lugar do que é experienciado nunca se repete (coisa que já se sabe há 25 séculos, desde Heráclito). O sujeito, por que muda a cada experiência, já não é o mesmo na próxima.
Escrevo isso (a título de introdução) para o registro de mais uma experiência vivida: participar do programa Expresso no Ar na Central FM. O Expresso começou no papel, como mídia impressa; ampliou-se no âmbito eletrônico, como hipertexto; e agora é debatido no rádio. Jornalismo 3.0. 
No início do programa, duas perguntas difíceis me fizeram titubear: 
- não adotar uma criança negra é racismo; e
- você acredita no destino.
A explicação da Sandra Siqueira de que não é racismo fechou a questão com chave de ouro. Destino existe como pseudoexplicação do acaso que não sabemos racionalizar. 
Depois minhas participações fluíram com naturalidade. 
Na segunda parte, tivemos a companhia do prefeito Júlio Ruivo, meu colega de aula nos anos de 1973-74. Ele falou do grande projeto que é a inclusão de Santiago como cidade educadora.  A décima quarta no Brasil. 
A experiência de ter participado de um debate diante dos microfones de uma rádio ficará retida para sempre em minha memória. Agradeço ao João Lemes pelo convite.

LIVROS

O caderno Cultura (ZH) deste sábado publica uma reportagem com os concorrentes ao Fato Literário 2010. A cada um foram feitas três perguntas:
1) primeiro livro que você leu;
2) livro que mudou sua vida; e
3) livro que sempre relê.
Os três escritores perguntados são Lya Luft, Aldyr Garcia Schlee e Kathrin Rosenfield.
Lya Luft:
1) contos de fada dos irmãos Grimm;
2) Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, e O continente, Erico Veríssimo;
3) os poemas (em alemão) de Rainer Maria Rilke.
Aldyr Garcia Schlee:
1) Ilíada (em espanhol), de Homero;
2) A educação sentimental, de Gustave Flaubert;
3) Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.
Kathrin Rosenfield:
1) O casamento dos pássaros (autor não informado);
2) Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa;
3) O homem sem qualidades, de Robert Musil. 
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Insiro-me nesse questionário:
1) Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos;
2) Assim falava Zaratustra, de F. Nietzsche;
3) todos os de Carlos Nejar. 

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

DOZE E MEIA

.....O toque de mensagem no celular interrompe o devaneio que levava Guilherme a lugar nenhum. Antes de tirar o aparelho da mochila, o sino da matriz vem sobressaltá-lo de novo. Distraído da realidade, sua cabeça readquire as noções básicas da vigília mais ou menos consciente, como as de tempo e de espaço. Ele sabe que é meio-dia, que volta para casa.
.....No display, lê o recado
.....:(/=(/ :/
.....Isadora está decepcionada com suas evasivas. Para complicar ainda mais, alguém gritou na saída da sala “O Guilherme é gay”. Tudo porque ele se esquivara de um beijo.
.....Tropeça na calçada irregular. Merda!
.....Ao poucos, passa-lhe o dedão. Não o estômago. Logo chegará em casa. A mãe anda muito brava com ele. Certamente, espera-o com um discurso antes do almoço. Outra vez de exame. Já fora reprovado no ano anterior. Odeia a professora de Matemática.
.....Isadora o despreza agora.
.....Na esquina, um acidente faz o chamariz de pessoas. Uma camioneta colide com uma moto, cujo condutor recebe o primeiro atendimento. Seu pescoço sangra sobre os paralelepípedos. Guilherme tem uma rápida visão do acidente. Há algo mais sério acontecendo dentro dele.
.....A mãe vê o filho atravessar o portão, passar a soleira da porta e pegar o corredor em silêncio. Prometeu a si mesma não perder o controle, ser menos dura.
.....O corredor é escuro. Guilherme se dirige ao quarto de casal. Abre o guarda-roupa atrás de uma caixa. O pai a mantém sob as blusas dobradas. Encontra-a no fundo. Não há pressa, tampouco medo em seus passos. Como se devaneasse outra vez. Entra em seu quarto no exato momento em que o pai acelera o carro na rampa da garagem.
.....O almoço está pronto. O homem ocupa seu lugar na ponta da mesa. Pergunta por Guilherme. Ele se encontra no quarto ou no banheiro, responde-lhe a mulher.
.....O relógio de parede marca doze e quinze.
.....A mãe chama da cozinha: Guilherme?!
.....Um grande estampido sacode a casa, revirando suas entranhas (violentamente). 

CERTIFICADO DE CAPACITAÇÃO

Ontem recebi o Certificado do curso de Capacitação em Comunicação Social. O Exército Brasileiro potencializa a formação intelectual de seus integrantes com o ensino a distância (sem abrir mão da presencialidade).

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

CONTE UM CONTO - RESULTADO

Hoje passei a tarde dentro da sala de reuniões da Secretaria de Educação e Cultura de Santiago, como membro da comissão que escolheu os melhores trabalhos produzidos para o 6º Concurso Literário "Conte um Conto". Depois de ler todos os concorrentes (acima de 30), chegamos aos cinco finalistas. Pelo regulamento, apenas os dois primeiros serão premiados em dinheiro. Sugeri à organizadora, professora Eleni, que desse uma menção honrosa aos outros três. Entre os contos selecionados na primeira triagem, dois se destacaram com unanimidade. Dois contos excelentes, a despeito do estilo diverso que os caracterizam: um sintético, com pontos substituindo os conetivos (à Dalton Trevisan); outro, analítico, primando pelo fluxo contínuo da palavra (à Caio Abreu).
1º Lugar: O teu conto - Camila Canterle Jornada
2º Lugar: Fronteira(s) - Erilaine Perez
3º Lugar: A torre - Ciméia Almeida Machado Fiorin
4º Lugar: Finalmente o fim - Matheus Chaves
5º Lugar: Apenas mais uma (outra) de amor - Inaê Oliveira

ENEM - UMA COISA OU OUTRA

Toda a trapalhada que ocorreu na elaboração, aplicação e efeitos da prova do Exame Nacional do Ensino Médio, incluindo o vazamento do tema da redação, ou demonstra cabalmente a incompetência que afeta nossa educação, ou há um propósito subreptício para descrédito dessa forma de concurso, que leva à universidades alunos pelo mérito intelectual. As duas alternativas não se contradizem pelo caráter antiético que prevalece na política nacional. 
Uma terceira possibilidade, seria a derrubada de Fernando Haddad para o próximo governo (embora o presidente Lula já tenha pedido para mantê-lo no ministério).  

terça-feira, 9 de novembro de 2010

NOVO ÍNDEX

O Índex Librorum Prohibitorum foi criado pela Igreja Católica em 1559, no Concílio de Trento, e tinha como objetivo queimar livros que de alguma forma contrariava a doutrina cristã. A última edição do índex, pasmem os leitores, ocorreu recentemente, em 1948, e continha uma relação de 4.000 títulos condenados. Quando a igreja achava que queimar os livros não era suficiente, jogava na fogueira seus autores (como foi o caso de Giordano Bruno). Ainda por motivos religiosos, o fundamentalismo islâmico condenou à morte Salman Rushdie, autor do romance Versículos satânicos (eu li). O escritor indiano foi obrigado a se refugiar na Inglaterra para fugir à fatwa do Aiatolá Khomeini. No século XX, muitos livros foram queimados por motivos políticos. A revolução (a)cultural promovida por Mao Tsé-Tung na China intentou substituir uma história milenar (incluindo a sabedoria de Confúcio) por um único Livro Vermelho. Para isso, atacou os intelectuais, fechou as universidades e queimou livros.  Outras revoluções condenaram, apreenderam e queimaram livros pelo mundo afora, algumas vezes para evitar o que aconteceu, acontecia ou aconteceria na China. No século XXI, todavia, a primeira condenação de um livro ocorre em nosso país. Pasmem os leitores. O julgamento condenatório parte do Conselho Nacional de Educação. O livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, seria racista, em razão de passagens como a que se refere à tia Anastácia, "que tem carne negra" (na fala de Emília). Lembro-me de ter lido esse livro na adolescência, uma história cheia de emoção. Se a moda pega (desde já, sou contra), muitos outros autores deverão ser relacionados nesse novo índex tupiniquim. 

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

DIVERSOS E ESPARSOS

As palhaçadas do ENEM sempre foram divulgadas (até editadas, desconfio), provando o ridículo a que chegou nossa educação. Todo mundo ri(a) do ridículo a que chegou nossa educação. Sim, rir dos estudantes dá no mesmo. Agora, a palhaçada é de quem instituiu, organizou e aplicou a prova, a começar pelo Ministério da Educação. 
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Há blogueiros que pregam moral e são imorais, que negam falar de política e falam de política, que pregam o amor ao próximo para camuflar seu egocentrismo terra-a-terra, que atribuem aos outros defeitos que eles lutam para se desvencilhar.  
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A propósito, blogueiros divulgam a formação de um novo partido em Santiago (ou a inserção de novos nomes para um partido velho). Por que não se fala mais no grande nome para as oposições, de alguém que se destaca em nossa cidade como administrador? Por quê? Certamente, essa pessoa não aceitou mudar de partido (dar cabriolas). 
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Político que muda constantemente de partido é semelhante à cabra: ambos dão cabriolas. A cabra, no sentido real, uma vez que pular é da sua natureza. O político, no sentido figurativo, pula para atender seus próprios interesses. 
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A localidade do Passo da Cruz estava de festa ontem, festa que fora adiada de sua data costumeira, no mês de outubro. Diferentemente dos anos anteriores, desta vez não havia um único figurão da nossa política. Por que será? O próximo pleito está distante? Meu tio é categórico: Brasília começa aqui. 
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Até a passagem do século (ou milênio), a revista Veja era argumento de autoridade de certos arrivistas. Hoje eles a execram sem constrangimento. 
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Destaco como um dos melhores textos do Expresso Ilustrado da última edição a coluna do leitor, enviada por Heloísa Flores. Da última edição da Veja, o melhor texto é A velha Ibéria resiste no governo, de Maílson da Nóbrega. 

sábado, 6 de novembro de 2010

CATEGA DO GURI

Uma vez que não é feio o louvor de si mesmo no âmbito da nossa blogosfera,  chamo a atenção para as seguintes coincidências:
1) Dia 31 de outubro, na postagem  Inverno ou  verão (ler abaixo), escrevi "Os votos que a elegerão são de duas procedências: dos petistas e da massa alienada que se move para lá e para cá como um tsunami". O colunista Roberto Pompeu de Toledo da Veja, escreve na última edição da revista (03 nov 10): "O eleitorado é como o mar [...] Às vezes, toma-se de empolgação e avança como um tsunami".  
2) Na coluna do Expresso Ilustrado de ontem, 5, escrevi Presidenta, analisando esse substantivo feminino já registrado pelo Grande  Houaiss. No blog, o título para esse mesmo texto é Presidente - presidenta. Abro o caderno Cultura do Zero Hora de hoje, e a coluna do professor Cláudio Moreno é Presidente ou presidenta (citando o Houaiss). Sou mais eu. 

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

TRAVESSURAS DA MENINA MÁ (II)

Terminei de ler Travessuras da menina má, de Vargas Llosa, escritor peruano que ganhou o Nobel de Literatura este ano. Leio lentamente, porque sofro para ler (olhos e enxaqueca). Não obstante, leio minuciosamente, sublinhando palavras, frases, parágrafos. Na parte interna da capa ou numa página em branco, anoto capítulos, personagens, tempo e lugar. Uma palavra me chamou a atenção, por aparecer seis vezes ao longo do romance: anódino(a)(s).  O romance tem mais de 300 páginas, com pouco diálogo, subdividido em sete capítulos. A história começa no bairro Miraflores, em Lima (1950), quando o personagem-narrador, Ricardo Somocurcio, então com 15 anos, apaixona-se por Lily.O segundo capítulo pula para Paris dos anos 60; o terceiro, para Londres, da cultura hippie e do amor livre dos anos 70; para Tóquio; outra vez para Paris; para Lima; para Madri dos anos 80. A história termina ao sul da França, com o reencontro entre Ricardo e a menina má (ou Otilia, ou Lily, ou camarada Arlette, ou madame Arnoux, ou Mrs. Richardson, ou Kuriko, madame Somocurcio). Antes de morrer de câncer, numa tarde, "sentados no jardim, ao crepúsculo, ela me disse que se algum dia eu pensasse em escrever a nossa história de amor, não a deixasse muito mal, senão o seu fantasma viria me puxar os pés todas as noites. - E por que pensou isso? - Porque você sempre quis ser escritor, e nunca teve coragem. Agora que vai ficar sozinho, pode aproveitar, assim esquece a saudade. Pelo menos, confesse que lhe dei um bom material para escrever um romance. Não foi, bom menino?". Esse final ocorre em 1989, trinta e nove anos depois. Uma tragédia contada com humor, uma comédia contada com seriedade. Vargas Llosa é realista, apolíneo, diferente de García Márquez, mágico, dionisíaco.  

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

JUAREZ GIRELLI

O Juarez abriu uma banca de jornais, revistas e livros na Praça Franklin Frota, ao lado do ponto de táxi. Hoje passei por lá e me interessei por dois livros: O que é política?, de Wolfgang Leo Maar, e A linguagem e seu funcionamento - as formas do discurso, de Eni Pulcinelli Orlandi. Wolfgang é analísta político, professor na Universidade Federal de São Carlos. Eni Orlandi é um dos nomes mais destacados na linguística de nosso país. Mas o objetivo desta postagem é tecer um comentário sobre o Juarez. Meu amigo é escritor e militante do Partido dos Trabalhadores. Nas últimas eleições, fez campanha para o Valdeci Oliveira, eleito para a Assembleia Legislativa. Seu candidato a governador e amigo, Tarso Genro, também ganhou fácil no primeiro turno. Outro dia perguntei a ele, em tom de brincadeira, se não iria para Porto Alegre, a convite de um desses correligionários. Disse-me que não, com a humildade que o caracteriza desde sempre. Nenhum cargo de confiança? Em Santiago, pelo menos... Certamente, meu amigo não será lembrado pelos próximos anos, o que não é óbice para sua fidelidade (ao partido e aos políticos eleitos). 

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

LITERATURA VERSUS POLÍTICA

O Ivan tem razão (não pela crítica que faço a todas as esquerdas, mas por uma série de motivos): a literatura é 10; a política terra-a-terra é zero. Prefiro, em última instância, a loucura na ficção, ao mau-caratismo na realidade. Doravante, dedicarei mais tempo ainda à arte da palavra. Qualquer esforço a favor da ética, contra a baixaria, o roubo oficializado é completamente inútil.
(Rui Barbosa também tinha razão.)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

LUZ QUE NÃO APAGA

Hoje recebi duas ligações, convidando-me para ir ao cemitério do Bom Retiro, entre Santiago e Jaguari. Minha mãe foi sepultada lá (numa das manhãs mais tristes da minha vida). Um problema de saúde me obriga a ficar em casa neste dia, lendo o último romance de Vargas Llosa e escrevendo um texto para a coluna do Expresso Ilustrado. Também penso no costume de frequentar o cemitério no Dia de Finados, para levar flores e acender velas aos mortos mais próximos. Ao respeito que temos por eles se acrescenta a expectativa de que nossos túmulos sejam visitados futuramente. Por isso, vamos ao cemitério. Não cabe aqui dizer que todo dia é dia de pensar em nossos entes queridos (mortos ou vivos), que mais acesa que uma vela é a terna lembrança, que mais viva que uma flor e a emoção, a lágrima nos olhos. Caso pudesse, iria ao cemitério neste dia. 

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

CARLOS PENA FILHO

A oficina de poesia que estou orientando no Centro Cultural me exige muito estudo. Com isso, passo a conhecer certos detalhes da nossa literatura que  desconhecia (em razão dos livros didáticos constituírem sempre uma amostra superficial do que se destaca no amplo cenário brasileiro). Pesquisando sobre estrofes isométricas, isto é, com versos de mesma medida, cheguei ao nome de  Carlos Pena Filho (Recife, 1929 - 1960), um dos mais importantes poetas pernambucanos depois de João Cabral de Melo Neto. Logo me identifiquei com a sua poesia, com forte apelo pictórico, especialmente pela cor azul. Destaco os sonetos:
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Para fazer um soneto
Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
E espere um instante ocasional
Neste curto intervalo Deus prepara
E lhe oferta a palavra inicial

Ai, adote uma atitude avara
Se você preferir a cor local
Não use mais que o sol da sua cara
E um pedaço de fundo de quintal

Se não procure o cinza e esta vagueza
Das lembranças da infância, e não se apresse
Antes, deixe levá-lo a correnteza

Mas ao chegar ao ponto em que se tece
Dentro da escuridão a vã certeza
Ponha tudo de lado e então comece.
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Desmantelo Azul  
Então pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas
depois vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas
. 
Para extinguir de nós o azul ausente
e aprisionar o azul nas coisas gratas
Enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas
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E afogados em nós nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço
.
E perdidos no azul nos contemplamos
e vimos que entre nascia um sul
vertiginosamente azul: azul.