segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

UMA REFLEXÃO EM SÃO MIGUEL

Ontem fui a São Miguel das Missões pela terceira vez, exclusivamente para assistir ao espetáculo de som e luz. O mais interessante é a narrativa do apogeu e queda dos Sete Povos, da nação dos guaranis. O texto se aproxima da poesia épica (e dramática). Enquanto ocorria o show multissemiótico, este espectador pensou, pensou muitas coisas.
Por séculos e séculos, os índios viveram livres pelos campos e matas. De repente, chegam os padres jesuítas e moldam uma pequena civilização, fundamentada no sino e na pedra. Os guaranis não passaram de matéria-prima na mão dos religiosos. Desconheciam horário, determinado pelo sino (conforme documentário de Sylvio Back). Não moravam em casas de pedra. Suas comunidades tribais eram diferentes da urbanização trazida da Europa, de grandes contingentes coexistindo no mesmo espaço. As reduções representaram um salto repentino do paliolítico (caçador) para o neolítico (agrícola).
O apogeu (acima referenciado) é um tanto falso, uma vez que, historicamente, confunde-se com a queda. A construção da catedral iniciou-se em 1735, para ficar pronta dez anos depois. As guerras contra os invasores (portugueses e espanhóis) iniciaram-se em seguida. Em 1756, a ruína. Dessa forma, os dez anos que padres e seus convertidos poderiam contemplar a imponente catedral quase nada representam para toda a existência dos guaranis (antes da chegada dos missionários cristãos).
Graças ao genocídio dos povos autóctones deste continente (povos que hoje poderiam ser chamados de "minorias"), vivemos nós, apenas dois séculos passados, lustrosos e felizes. Ainda nos damos o luxo de condenar o que fizeram nossos antepassados. No extremo de uma sensibilidade tardia, nossa mea culpa não restitui as terras aos guaranis, não lhes traz de volta a vida, não apaga o crime. O mito bíblico está certo: somos descendentes de Caim, cujo fratricídio se repete desde sempre.
Tudo isso e muito mais pensei durante o show, em que uma das vozes, de tempo em tempo, dirigia-se aos espectadores.

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