terça-feira, 17 de novembro de 2009

ROSA E CAIO

Qual a semelhança entre Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, e Para uma avenca partindo, de Caio Fernando Abreu? As diferenças são óbvias, a começar pelo gênero textual: romance e conto, respectivamente. O cenário de um é o sertão do Urucuia (MG); o do outro, a rodoviária de uma cidade qualquer. A linguagem rosiana quebra a sintaxe (erigindo um dos maiores monumentos literários do país); a caioabreana obedece ao fluxo da oralidade. Rosa universaliza o regional; Caio Abreu, poetiza o banal. A partir da pergunta-tema, no entanto, o que interessa agora é apontar a semelhança. A ela, então. No extenso romance GS:V (596 páginas), há um travessão, indicativo da fala do personagem. O mesmo ocorre no conto Para uma avenca partindo. Um único e quase despercebido travessão no início das duas narrativas. Esse recurso gráfico pressupõe a presença de um segundo sujeito (no sentido bakhtiniano). O romance e o conto são constituídos por apenas um enunciado – de um diálogo que o transcende topologicamente. No primeiro, Riobaldo fala com um interlocutor oculto, tratado com senhorio. No segundo, o narrador sem nome – anonimato recorrente em muitos contos do escritor santiaguense – despede-se da namorada antes dela entrar num ônibus. Sem o travessão, o diálogo pressuposto confundir-se-ia com o monólogo, conquanto seja o discurso direto, em primeira pessoa. Rosa foi originalíssimo ao começar o romance pelo final: – Nonada. Caio, ao encerrar o conto com um quê (sem reticências).

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