domingo, 8 de novembro de 2009

CAIM

Ontem, concluí a leitura de Caim, de José Saramago. Essa lida estendeu-se das 8:00 às 21:50 horas, com interrupção para ir ao mercado do meu amigo Cleiton Reinheimer (esquina da Neri com a Deodoro) e para fazer o almoço.

À exceção dos dois primeiros capítulos, que conta de Adão e Eva no e fora do Paraíso, os onze restantes giram em torno de Caim. O personagem serve de porta-voz para a crítica irônica e o humor saramagueanos. Isso fica evidente já no primeiro diálogo entre o filho mais velho de Adão e o senhor (ao lado do corpo de Abel):

“Tu é que o mataste, Sim, é verdade, eu fui o braço executor, mas a sentença foi ditada por ti [...]

“Então não serei castigado pelo meu crime, perguntou Caim, A minha porção de culpa não absolve a tua, terás o teu castigo, Qual, Andarás errante e perdido pelo mundo”.

(Saramago estreia essa forma de diálogo em O evangelho segundo Jesus Cristo. Neste último, grafa os nomes próprios com letra minúscula.)

Mas a primeira aventura do fratricida não foi bem um castigo, pelo contrário. Ao chegar à terra de Nod, emprega-se como amassador de barro. Por pouco tempo. A toda poderosa senhora, dona da terra, da cidade e dos escravos, chamada Lilith, transforma-o em seu guarda exclusivo e amante. O rapaz muda-se para o castelo. O marido de Lilith, chamado Noah, que não coabita com a mulher. Esta engravida de Caim, que precisa seguir o destino determinado pelo senhor.

Montado no melhor jumento, presente de Lilith, Caim deixa a terra de Nod.

Depois de subir e descer montanhas, ouve um voz:

“Ó pai, chamou o moço, e logo uma outra voz, de adulto de certa idade, perguntou, Que queres tu, Isaac, Levamos aqui o fogo e a lenha, mas onde está a vítima”.

Na hora em que Abraão cortaria a garganta do filho amarrado para provar sua obediência ao senhor, foi Caim quem segurou o braço. O anjo, encarregado de impedir o sacrifício na última hora, teve problema com uma de suas asas e chegou atrasado.

(O romancista explora ao extremo o fato de Caim ser um errante, de certa forma protegido por Deus. Avança-o no tempo, retrocede-o, leva-o a percorrer lugares distantes e a participar dos acontecimentos. Depois de salvar Isaac, vai a Sodoma, visita a Torre de Babel, passa por Jericó, Monte Sinai, terras de Us... Sempre questionando a forma como Deus, cruel, invejoso, ciumento e tudo mais, resolve os problemas de sua criação.)

Os dois capítulos finais narram a participação de Caim na história do Dilúvio. Auxilia na construção da arca e, por autorização do próprio Senhor, acompanha a família de Noé. Dentro da arca, enquanto chove ou baixam as água, Caim deita com as quatro mulheres, com o consentimento de seus maridos no final. Infelizmente, Noé não conhecia o ditado espanhol que diz “Cria cuervos que ellos te sacarán los ojos”. Em momentos diferentes, Caim joga ao mar cada um dos tripulantes, inclusive a mulher de Noé. Ao descobrir esses assassinatos e sem a perspectiva de recomeçar a procriação humana, Noé se suicida.

A história termina, quando Caim sai da arca, seguindo o casal de tartarugas. Deus, que chamava por Noé, ouve estarrecido seu desafeto:

“Teria de chegar o dia em que alguém te colocaria perante a tua verdadeira face”.


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