segunda-feira, 21 de setembro de 2009

BANHO DE CIVILIZAÇÃO


Por volta de 1940, Heráclito Machado residia na Vila Florida, onde era farmacêutico e autodidata. Regularmente, vinha a Santiago. Na parada do ônibus, perguntavam-lhe aonde iria, e ele, dentro de um terno impecável, respondia que ia a Santiago "tomar um banho de civilização". No retorno, amigos e conhecidos indagavam-lhe sobre a viagem, sobre as novidades. Heráclito, depois de uma pausa proposital, enunciava com o discurso já conhecido na vila: O "povinho" está o mesmo de sempre.
Guardadas as proporções, poderia dizer que ir a Porto Alegre equivale a um "banho de civilização". Mas os tempos mudaram muito em meio século. Hoje não devo imitar Heráclito, a despeito de ter a mesma expectativa e da frustração, mas porque conceitos e valores civilizacionais mudaram (e continuam mudando). As grandes cidades, antes polos irradiadores de um modelo de vida pretensamente mais "civilizado", decepcionam por um excesso que muitos confundem com barbárie ou selvageria. A sujeira nas ruas, os assaltos, os engarrafamentos, o corre-corre consumista, a baixa qualidade do ar e da água, entre outros fatores atestam o lado não idealizado para uma evolução urbana (em que se perdeu o caráter de urbanidade).
As opções artístico-culturais que encontro em Porto Alegre ainda me possibilitam parafrasear o antigo morador da Vila Florida. Isso me faz lembrar Nietzsche mais uma vez: a única saída para o homem é a de compreender e de aceitar a existência e o mundo como um fenômeno estético.

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