sábado, 19 de julho de 2008

COLUNA DO JUREMIR MACHADO DA SILVA


NÓS, OS TROUXAS
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Estou ficando paranóico. De novo. Qualquer um sabe que até os paranóicos têm alguma razão em desconfiar dos políticos no poder. Ou todas. Alguém acredita mesmo que o tal delegado Prótogones Queiroz 'pediu para sair'? Alguém crê mesmo que, no auge da carreira, logo depois de ter promovido a queda de um grande banqueiro e de ter flagrado o secretário da Presidência da República trocando gentilezas com o advogado petista do novo inimigo número 1 da Nação, Prótogenes, cansado de tantas glórias efêmeras, entregou o cargo para fazer um obscuro curso de aperfeiçoamento pessoal? Eu acredito piamente. Exporei as minhas razões para convencê-los de que essa é a única hipótese razoável, defensável e até justa.Observei muitas imagens de Protógenes Queiroz e concluí que ele é um homem discreto. Tudo nele transpira comedimento, calma e equilíbrio. É perceptível que ele não gosta dos holofotes. Cumprido o seu trabalho, decidiu retirar-se para não prejudicar o avanço das investigações com alguma convicção pessoal injusta ou com alguma atitude impensada. Não bastasse essa evidência de que o afastamento de Protógones foi uma simples coincidência ou a manifestação de um desejo pessoal alheio a qualquer pressão ou segunda intenção de autoridades querendo abafar alguma coisa, o presidente da República propôs publicamente, por altas razões morais, a permanência de Protógones no caso. Alguém seria capaz de imaginar um jogo de cena, uma mentira, uma hipocrisia, um discurso duplo de parte do nosso presidente operário? Eu não. Eu ponho a minha mão no fogo pelo presidente. Ponho o corpo todo no fogo. Tenho certeza de que ele faria o mesmo por nós. É um homem que se submete com prazer aos maiores sacrifícios. Estou entusiasmado com o equilíbrio na prática de espionagem brasileira: é golpe por golpe, gravação por gravação, rasteira por rasteira. Protógenes divulgou gravações envolvendo o secretário da Presidência. A PF divulgou gravações envolvendo Protógones. Na União Soviética também era comum, de uma hora para outra, que personagens incômodos ao governo, por mera coincidência, se afastassem dos cargos. Alguns chegavam a retirar-se por longos anos para a Sibéria sem que nada os forçasse. De repente, sentiam vontade de mudar de vida, de tudo abandonar, de fazer uma grande viagem de aperfeiçoamento pessoal. Os russos não eram tão sofisticados e não chegavam a implorar para o defenestrado permanecer. Simplesmente não o impediam e até lhe forneciam meio de transporte para a Sibéria. Não tentem nos enganar. Sabemos que Protógenes não foi pressionado a sair. A prova de que não foi empurrado para fora é que isso daria na vista. Geraria desconfianças, suspeitas e críticas. Nossos governantes não se permitiriam uma manobra tão baixa, vil e idiota. Saberiam que até nós, os trouxas, perceberíamos a sacanagem. Logo, sejamos lúcidos, nada disso aconteceu. Se Protógenes disse que a PF filtrou as gravações, eliminando o que não lhe era conveniente, foi só para mostrar o quanto a PF se preocupa com a pureza da língua portuguesa. Havia algumas palavras de baixo calão nos trechos cortados. Alguém imaginou mais do que isso? Eu não. Estamos no melhor dos mundos: não houve mensalão, Cacciola não estava foragido e Protógenes jamais sofreu qualquer pressão para abandonar o caso Dantas, que também não tentou subornar a Polícia. Só queria participar do Bolsa-Família. Basta, por favor, de maledicência.
(Correio do Povo de 19 jul 2008)

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