segunda-feira, 7 de julho de 2008

AREIA... E PÉROLA


Toda atividade que visa à produção de algo requer esforço, às vezes, acima do que você é capaz de realizar. Em parte, isso explica o porquê de seu fracasso. A criação literária ou ensaística é um tipo de fazer que está no limiar do que se entende por competência. O trabalho exigido não é apenas intelectual (e físico), mas resulta de um tal estado de comprometimento holístico que se confunde com a paixão. O êxito, todavia, não depende exclusivamente disso, há outras variáveis (como o acaso, a sorte).

Poucos ofícios apresentam resultado imediato. A maioria demanda um tempo que, em certos casos, chega a ultrapassar a própria vida de quem trabalha. O melhor exemplo é o do escritor. Henry Miller expõe com humor e sabedoria esse drama no romance Sexus, o primeiro da trilogia A crucificação encarnada. Principalmente para o iniciante tardio, o tempo é motivo de angústia crônica (nada a ver com Crono, titã da mitologia grega associado ao tempo).

Qual a finalidade de um mergulho se não é para buscar do fundo uma pérola jamais vista em tamanho e beleza? Esse ideal, misto de vaidade e pertinácia, esperança e obsessão, impede a fácil desistência, o malogro - ainda que você só consiga trazer para a superfície areia, sargaço e resto de naufrágios. Van Gogh, através de uma outra figura, desabafa numa carta ao irmão Theo: Pode ter-se um grande fogo na alma, mas ninguém vem aquecer-se nele, e os que passam só avistam um fumozinho no alto, a sair pela chaminé, e seguem seu caminho.

A indiferença é pior do que a crítica. O leitor/receptor/co-autor precisa corresponder e, ao fazê-lo, ser convincente, sincero. Caso contrário, tanto o silêncio quanto o elogio (quase sempre hipócrita) resultam em frustração para o autor/emissor. O silêncio ocorre, em primeiro lugar, porque não há leitor. A seguir, evidencia-se a incapacidade cognitiva do leitor, em razão de uma discrepância lexical, falta de outras leituras e de uma resistência, sobretudo ideológica. Quem pouco lê, obviamente, comunica-se dentro de um universo vocabular restrito, não possui uma referência intertextual e agarra-se com maior determinação aos seus preconceitos.

Às vezes, o que você escreve, retomando a metáfora marinha, consiste numa pérola para alguns, mas não passa de um seixo comum para a maioria. O inverso também ocorre: a preciosidade para muitos, mais suscetíveis de se iludirem com o brilho, não resiste à análise de poucos entendidos, como alguma coisa sem valor.

Um dia você pensa que o artigo que escreveu talvez não chame a atenção do leitor, que não se publique o poema enviado ao jornal de grande circulação, que o conto sequer passe pela comissão julgadora, enfim, desacreditado de si. Nesse momento, o projeto de publicar o que já produziu é vetado pela autocrítica. Quando tudo parece difícil de acontecer, eis que surge um amigo que há muito não encontrava. Abraça-o. Conta-lhe as últimas em relação à família, ao trabalho, à vida em geral. Inesperadamente, ele pergunta a você como funciona a produção de um texto, a começar pela escolha do tema. Surpreso, você confessa que parte é o resultado de um grande esforço, parte é puro insight.

Você volta para casa mais otimista, imaginando que outros leitores também estejam interessados em saber como se faz o mergulho, desde a coragem inicial à frustração de conseguir tão somente areia, sargaço e resto de naufrágios. Da próxima vez, quem sabe, eles perceberão a sua euforia ao trazer uma pérola para a superfície. Quem sabe venham a identificar a raridade do sentimento que o mobiliza continuamente. Sem essa expectativa, você abandonaria o trabalho de descobrir algumas metáforas poéticas ou de contrapontear idéias.

oo

(Publicado no jornal A Hora)

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