quinta-feira, 5 de junho de 2008

CRÔNICA DA ERILAINE

OOOOOOADORMECIDA

ooooooSentada na calçada, tinha os pés nus. A lua escorria-lhe pelas costas como o olhar de um gato triste. Não havia outro tipo de iluminação naqueles caminhos, nem pessoas que pudessem perturbar seu mais solitário momento.
ooooooContemplativa, recriava de suas memórias dias de sol, dias felizes. Dias em que via as roupas balançarem nos varais levadas pelo vento, enquanto uma pandorga apontava lá no fim de um céu azul...
ooooooA casa cheirava a doce e pão. O amado, a cacau e mel.
ooooooFoi na mesma época em que o tempo começou a fugir pelas frestas do sonho, para construir ninho longe dali.
ooooooAmpulhetas pressurosas não costumam reter um só grão. Não seria diferente com ela. Dos filhos gerados pelo tempo, nenhum chamou-se Piedade.
ooooooResolvera caminhar para esquecer... Resolveu mudar seu rumo no caminho... O lar ficou distante do novo rumo.
ooooooO sol, que tingia a serrania, anoiteceu. Esqueceu de onde viera. O nome, nunca mais pronunciado, já não sabe.
ooooooOs olhos fitos no sem-fim das noites, procuram caminhos de volta... Mas os rastros foram também apagados nos becos remotos de sua consciência.
ooooooEla continua a olhar para os pés. Gostaria de ser como as árvores, gostaria de ter raízes...
ooooooVaga perdida em labirintos de espelhos trincados, obtusos como os contornos que neles se refletem.
ooooooNão há como escapar dessa prisão. Não há como superar a dor impressa a ferros em sua carne. Não há mais o calor do amor enchendo as faces de sangue. Apenas uma rosa brotando no peito, obstruindo-lhe a respiração.
ooooooPálida diante do silêncio nascido com a manhã, a mulher adormeceu.
oo
(Eis uma bela crônica de quem realmente sabe escrever)

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