sexta-feira, 11 de abril de 2008

UM POUCO DE ADORNO

Theodor Adorno, filósofo alemão, publicou a primeira parte de Minima Moralia em 1944. O livro “constitui um notável esforço para desvendar as múltiplas máscaras usadas pela falsa consciência”, conforme editores. No fragmento 11 (Adorno imita Nietzsche na escrita aforística), lê-se o seguinte: Cama e mesa. – Tão logo as pessoas, mesmo de boa índole, amáveis e instruídas, se divorciam, costuma levantar-se uma nuvem de poeira que recobre e muda a cor de tudo aquilo com que entre em contato. É como se a esfera da intimidade, a descuidada confiança da vida em comum, houvesse se transformado numa substância daninha e venenosa, quando se desfazem as relações em que se baseia essa esfera. A intimidade entre as pessoas é indulgência, tolerância, refúgio para idiossincrasias. Se ela é violentamente distendida, a dimensão de fragilidade que há nela manifesta-se por si mesma e, na separação, semelhante guinada para o exterior é inevitável. Ela se apodera do inventário da intimidade. Coisas que no passado eram sinais de um cuidado amoroso, imagens de conciliação, tornam-se de súbito independentes enquanto valores e mostram seu lado mau, frio e perverso. Após a separação, respeitáveis professores invadem a casa da mulher para retirar objetos da escrivaninha e senhoras materialmente bem situadas denunciam os maridos por sonegação de impostos. Conquanto o casamento ofereça uma das últimas possibilidades de formar células de humanidade em meio ao universal desumano, o universal vinga-se com a desagregação daquele, apoderando-se do que estava aparentemente excetuado, subordinando-o às ordenações alienadas do direito e da propriedade, lançando escárnio sobre aqueles que se presumiam seguros quanto a isso. Exatamente aquilo que era preservado com desvelo torna-se o apetrecho cruel do abandono. Quanto “mais generosamente” os cônjuges se relacionavam entre si no início, quanto menos pensavam em posses e obrigações, tanto mais abominável torna-se a degradação. Pois é precisamente no domínio do juridicamente indefinido que prosperam o litígio, a difamação e o conflito infinito de interesse. Tudo o que há de nebuloso e obscuro, sobre cujos fundamentos se ergue a instituição do matrimônio, o bárbaro poder de disposição do homem sobre a propriedade e o trabalho da mulher, a não menos bárbara repressão sexual, que obriga tendencialmente o homem a assumir por toda a vida a responsabilidade por aquela com a qual dormir propiciava-lhe outrora prazer – tudo isso arrasta-se dos porões e do subsolo para a luz do dia quando a casa é demolida. Aqueles que outrora tiveram a experiência do bom universal no limitado pertencimento recíproco são agora forçados pela sociedade a considerar-se como patifes e a aprender que se igualam ao universal da baixeza ilimitada lá de fora. O universal revela-se no divórcio como o estigma do particular, porque o particular, o casamento, não é capaz de realizar efetivamente nesta sociedade o verdadeiro universal.
oo
Um dia ainda quero escrever assim, com esse estilo conceptista que chama a atenção. Falei em estilo, não no conteúdo. As separações no mundo europeu em 1944, certamente eram diferentes das que ocorrem no Brasil em 2008.

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