sábado, 5 de abril de 2008

COLUNA DO EXPRESSO ILUSTRADO

DENGUE - A mídia determina qual a temática do dia. Em relação à Dengue, doença transmitida pelo mosquito Aëdes aegypti (cuja tradução borgeana é aedo do Egito, inseto que “cantava” no ouvido dos faraós), o assunto domina há algumas semanas. A epidemia ganha um tom de tragicidade com o coro midiático. (Em 1993, quando fazia um curso de aperfeiçoamento no Rio de Janeiro, recebi a missão de buscar um soldado em sua casa, num bairro distante, e levá-lo ao hospital. O militar tremia e suava ao mesmo tempo. Diagnóstico médico: dengue.)
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ÉTICA - Outro tema em evidência refere-se às pesquisas com células-tronco. Pergunta que prevalece nos debates: quando tem início a vida no indivíduo humano? Ao se tratar de outros animais, a manipulação com as ditas células já levou à clonagem. Há pouco foi realizada uma audiência pública para tratar da regulamentação de pesquisa, produção, importação e comercialização de clones de mamíferos. Voltando à pergunta “quando tem início a vida...”, cientistas e religiosos não chegam ao consenso. No Rincão dos Machado, todos sabíamos desde muito: a vida começava quando, durante uma noite escura em que Vó Percilha era chamada às pressas, uma nova criança chorava no quarto. Mais tarde, os estudos nos deram a certeza de que há vida intra-uterina. A despeito do tempo relativamente curto (9 meses), vários estágios são observáveis nessa fase. A ciência procrastina o quando. As organizações religiosas o apressam, considerando, inclusive, a sacralização do relacionamento que precede a concepção. Como mediadora do grande impasse, espera-se que a Filosofia, por intermédio de uma de suas co-denominações, a Ética, defina a resposta.
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ESCÓLIO: J.L.Borges, escritor argentino, transformava em fato histórico suas ficções. Pensando nesse recurso literário, traduzo aëdes aegypti como sendo aedo do Egito, "inseto que 'cantava' no ouvido dos faraós". Aedo, segundo Houaiss, era um cantor que apresentava suas composições religiosas ou épicas, acompanhando-se da cítara. Orfeu foi o mais famoso entre os aedos na Grécia antiga. Ao escrever "tradução borgiana", imito o grande ficcionista, atribuindo a ele a transposição lingüística. Aedo do Egito é minha criação.
O melhor da segunda parte é "No Rincão dos Machado, todos sabíamos desde muito: a vida começava quando, durante uma noite escura em que Vó Percilha era chamada às pressas, uma nova criança chorava no quarto". Rincão dos Machado é uma criação minha, uma metáfora que nasce da realidade.

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