quarta-feira, 30 de abril de 2008

A QUARTA FRUSTRAÇÃO


Em certo momento de sua evolução, o homem passou a se achar o que há de mais importante. No auge desse delírio narcísico, chegou a criar um deus à sua imagem e semelhança, acreditando ter ocorrido o inverso. O que ele via em si mesmo precisava de uma origem divina. Até o ano de 1543, a crença colocava esse deus bem próximo, num “sólio de nuvens” (Will Durant), observando sua apoteótica criação. Um monge polonês, chamado Nicolau Copérnico, no entanto, haveria de provocar a primeira frustração humana: a Terra não é o centro do universo. Com isso, a relação homem-deus sofreria um distanciamento. Três séculos mais tarde, Charles Darwin elaboraria a mais revolucionária teoria científica de todos os tempos: a evolução natural. A partir de A origem das espécies, o homem viu-se reduzido a um animal em luta para a dominação do planeta. Ele, que até então descendia diretamente de um deus, frustrou-se pela segunda vez. A terceira frustração viria em pouco tempo, com a descoberta do inconsciente por Sigmund Freud. Depois de Darwin, restou ao homem gabar-se de sua racionalidade. Depois de Freud, o autoconhecimento revelaria quão frágil e instável é a razão. Minha tese é de que o estudo da Genética provocará a quarta frustração. Muito do que o todo orgulhoso EU ainda se atribui narcisisticamente (eu quero, eu posso, eu sou etc.), não passa de uma ilusão egocêntrica, apropriação do que já é codificado pelos genes. Não apenas a cor dos olhos, o formato do nariz e outras características hereditárias, mas tudo, tudo está inscrito no ADN, à maneira de um “como e para que funciona?”. O conhecimento disso, adianto, fará com que o homem não sobreviva à própria individualidade.

oo

(Leitor, caso tiveres dúvida acerca da autoria da idéia que defendo acima, digita no Google "a quarta frustração". Certamente, nada encontrarás que se assemelhe.)

terça-feira, 29 de abril de 2008

10 LIVROS EM QUESTÃO

O Segundo Caderno do ZH de sábado publicou dez respostas de Moacyr Scliar acerca de livros. Transcrevo-as abaixo, com o intuito de pegar uma carona.
1 - Qual o seu começo de livro inesquecível?
Scliar (dois começos): "Quando Gergor Samsa despertou, certa manhã, de sonhos agitados viu que se transformara numa espécie de monstruoso inseto" (A metamorfose, de F. Kafka);
"Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete anos, ela trinta" (Missa do Galo, de Machado de Assis).
Froilam: "Muchos años después, frente al pelotón de fusilamiento, el coronel Aureliano Buendía había de recordar aquella tarde remota en que su padre lo llevó a conocer el hielo. Macondo era entonces una aldea de veinte casas de barro y cañabrava construidas a la orilla de un río de aguas diáfanas que se precipitaban por un lecho de piedras pulidas, blancas y enormes como huevos prehistóricos" (Cien años de soledad, García Márquez).
oo
2 - Qual foi o livro da sua infância?
Scliar: A chave do tamanho, de Monteiro Lobato.
Froilam: Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos.
oo
3 - Qual o livro que mais o perturbou?
Scliar: A metamorfose, de F. Kafka.
Froilam: A erva do diabo, de Carlos Castañeda, e O processo, de F. Kafka
oo
4 - Que livro você mais releu?
Scliar: A Bíblia (uma releitura não religiosa, mas literária)
Froilam: Assim falava Zaratustra, de F. Nietzsche
oo
5 - Que livro considerado clássico você abandonou antes do fim?
Scliar: Jean Christophe, de Romain Rolland
Froilam: Admirável mundo novo, de Aldous Huxley
oo
6 - Que livro você acredita que deveria ser conhecido por um maior número de leitores e não é?
Scliar: As obras de Kafka.
Froilam: O macaco nu, de Desmond Morris
oo
7 - Cite um título inesquecível
Scliar: Darkness visible (A visível escuridão), de William Styron, e Por quem os sinos dobram, de E. Hemingway
Froilam: O som e a fúria, de William Faulkner, e Enterrem meu coração na curva do rio, de Dee Brown
oo
8 - Que livro prometia uma coisa pelo título e, ao ler, você percebeu que era outra coisa?
Scliar: Todas as obras de Borges. Parecem uma brincadeira ficcional, mas é coisa muito séria.
Froilam: A paixão segundo G. H., de Clarice Lispector
oo
9 - Que livro você gostaria de ter escrito?
Scliar: Milhares: Kafka, Machado de Assis, Clarice Lispector, Isaac Babel, Guimarães Rosa...
Froilam: A revolução dos bichos, de George Orwell, e Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach
oo
10 - Que livro você está lendo?
Scliar: O menino Grapiúna, de Jorge Amado
Froilam: Blog - entenda a revolução que vai mudar seu mundo, de Hugh Hewitt

SENSACIONALISMO


Essa está no UOL: Um dos orangotangos pesca com uma vara em rio de Bornéu, na Indonésia; a imagem faz parte de livro sobre esta espécie de braços longos, que compartilha 97% do seu DNA com os humanos e é tida como a segunda mais inteligente depois do homem. História natural é um dos assuntos que mais me desperta o interesse, desde que li pela primeira vez a Enciclopédia Conhecer na biblioteca do Colégio Polivalente, em 1973 (hoje Lucas Araújo). Um orangotango jamais pescaria com uma vara, tampouco o chimpanzé, que compartilha mais de 98% do DNA com o homem. Os primeiros hominídeos, entre os quais os australopitecos, usavam instrumentos apenas aleatoriamente, sem a intenção de. Isso ocorreria com o homo habilis mais tarde (há dois milhões de anos). O tronco comum que não distinguia homens e orangotango sofreu uma divisão há mais de nove milhões de anos. Além disso, o orangotango é frugívoro (se alimenta de frutos). Portanto, a imagem é verdadeira. Um orangotango realmente segurava uma vara. Agora, que tivesse a intenção de pescar... Isso é puro sensacionalismo.

(DES)CONTEXTUALIZAÇÃO

Eis um exemplo em que a imagem (texto não-verbal) não pertence ao mesmo contexto da frase. O leitor crítico pode achar maravilhosa a primeira e encontrar um sentido para a segunda, mas não verá coerência entre as duas. A Internet, aos poucos, vai-se constituindo numa nova babel.


segunda-feira, 28 de abril de 2008

SESSÃO DA CÂMARA

Após a abertura da sessão pelo Presidente Nelson Abreu, foi realizada a leitura das correspondências e dos projetos encaminhados à Câmara. Em seguida, ocupou a tribuna o Major Mariath, do Cmdo da 1ª Bda C Mec, para falar sobre a participação do Exército na campanha do agasalho em Santiago. Este ano, a arrecadação iniciou-se no dia 22 de abril e encerrar-se-á no dia 5 de maio. Vamos nos engajar nesta campanha de solidariedade: "SANTIAGO SEM FRIO".
Nelson Abreu foi o primeiro vereador inscrito para fazer uso da palavra. Seus assuntos: convenção do PDT na capital; esgoto na passagem de nível entre Vila Nova e Vila Itu; redutor de velocidade na João Evangelista; lei que denomina Santiago de "Terra dos Poetas" tramita na Assembléia Legislativa, prestes a se estadualizar. Accácio de Oliveira: reivindicação de serviços; assistência médica para o funcionalismo municipal; comentário sobre reportagem do Fantástico. Franquilin do Amaral: Lei Seca (aprovação de emenda à MP permite venda de bebida alcoólica à beira das rodovias; emenda à MP facilita o registro de arma de fogo até 31 de dezembro deste ano; solicitação de serviços. Antônio Diniz Cogo: pedido de informação ao Executivo sobre Calçados Santiago; balbúrdia do som e velocidade no trânsito. Cláudio Cardoso: questão da saúde do funcionalismo público municipal (desconto versus atendimento); solicitação de serviços. Sandro Palma: falta de água na Vila Branca; proposição para cobrança de uma taxa das cidades vizinhas pelo lixo trazido para Santiago; audiência pública da saúde (falta de remédio). Miguel Bianchini: passeio pelo interior do município; solicitação de serviços; troféu Sílvio Ferreira Aquino para pessoas que se destacam com ações humanitárias. Sérgio Prates: homenagem aos trabalhadores; alerta aos idosos para o período da vacinação contra a gripe; voto de pesar pelo falecimento de Gilnei dos Santos Rosa (em decorrência de um assalto sofrido na Grande Porto Alegre). Marcos Fiorin Flores: Cidade Ativa (calma aos moradores dos bairros); redutores de velocidade.

sábado, 26 de abril de 2008

SOU BRIGHT

Na Inglaterra, o indivíduo que tem uma visão naturalista do mundo, livre dos elementos místicos e sobrenaturais - vulgarmente chamado de ateu, descrente, agnóstico - ganha a denominação de bright.
O termo é um adjetivo, que significa claro, luminosos, brilhante, vivaz, inteligente... transformado em substantivo para dar uma conotação positiva aos não-religiosos.
Richard Dawkins gostou da idéia e a publicou em um artigo.
A partir de agora, já sei como me definir contra as religiões: sou bright.

GRANDE ESTADISTA (?)

No programa de sábado, na Globo News, a comentarista Cristiana Lôbo disse :
"Lula confessou aos amigos que quer ser lembrado, pelo seu 2º mandato, como um grande estadista, tal como Getúlio Vargas".
Muito justo...
A idéia parece excelente, mas todos (leia-se, os antiPT) querem saber com urgência :
"Quando será o suicídio?".
oo
(O revólver da ilustração acima foi usado por Getúlio, o maior dos trabalhistas brasileiros, para tirar a própria vida.)

quinta-feira, 24 de abril de 2008

ECOLOGICAMENTE CORRETO(?)

Ouvindo a Rádio Guaíba no meu computador, enquanto fazia a correção gramatical de um projeto de mestrado, atento para o comercial da empresa Funeral Ângelus. O serviço oferecido com exclusividade, a cremação, foi valorado como "funeral ecologicamente correto". Por que "ecologicamente correto"? O fogo contraria a própria lei de Lavoiser, ao transformar o orgânico em inorgânico há uma perda molecular significativa que demorou alguns bilhões de anos para ser gerada. Ecologicamente correto seria sepultar o corpo diretamente na terra.

terça-feira, 22 de abril de 2008

O QUARTO NOME

Vinha pela Bento Gonçalves há pouco e passei pelo novo Comitê do Partido Progressista, no velho edifício da esquina com a Getúlio Vargas. A luz acesa me permitiu ver várias pessoas reunidas em torno de uma mesa. Sem me deter, pensei nos três nomes pepistas em evidência para concorrer a prefeito de Santiago nas próximas eleições. Júlio Ruivo, na condição de vice por dois mandatos, constitui-se no candidato natural (já com o apoio do Chicão). O Toninho foi um bom prefeito, apesar da pecha de conservador extremado. O Guilherme não consegue ainda controlar seu excesso de dinamismo, de vontade (virtudes comuns da juventude). O mais seguro para o PP é uma chapa incluindo dois desses nomes, o Júlio como titular, naturalmente. Isso seria possível? Caso negativo, quem seria o quarto nome?
(Não me levem a sério, foi um pensamento apenas.)

RESUMO NECESSÁRIO

Para resumir a postagem abaixo, que, por sua extensão, fugiu à característica deste blog, reafirmo o seguinte:
1) A Genética provocará ao longo do século XXI uma nova revolução no pensamento humano, à semelhança do heliocentrismo de Copérnico, o evolucionismo de Darwin e a Psicanálise de Freud. A humanidade sofreu como que três grandes frustrações com as descobertas pelo trio, as quais podem ser assim expressas: A Terra não é o centro do universo e Deus foi afastado para o "fundo do espaço sem limites", no dizer de Will Durant. O homem é um animal que evoluiu de outros organismos vivos, subordinado às leis da sobrevivência. A racionalidade é muito frágil, uma vez que a maioria dos atos humanos são determinados pelo insconsciente. Penso que a Genética causará a quarta grande frustração à humanidade, denunciando ainda mais o antropomorfismo e restituindo maior poder. Não li sobre a quarta frustração em nenhum livro, diga-se de passagem.
2) O familismo é uma extensão do egoísmo (e vice-versa). Os genes não têm sobrenome.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

A QUARTA FRUSTRAÇÃO

O estudo dos genes reserva uma das maiores revoluções no pensamento humano, equivalente à propiciada pela Física Quântica e pela Relatividade ao longo do século XX. Os livros de Richard Dawkins, zoólogo, evolucionista, brigth inglês, constituem-se na primeira literatura objetiva acerca das descobertas genéticas. Os genes são os grandes protagonistas que hão de perpassar o século XXI, quando a história do homem começará a ser reescrita – agora sob o viés de uma quarta frustração*. Meu texto abaixo, Oliveira, Machado..., aponta para uma possível mudança numa tradição familista (num sentido pejorativo, à semelhança de egoísta, etnocentrista, racista, especista etc.). O sobrenome não passa de uma palavra, um rótulo totêmico (que remonta ao totem das sociedades primitivas), tomado como algo diferenciador não apenas no aspecto consangüíneo, mas também nos valores sociais, culturais e econômicos. Isso é facilmente observável aqui, em Santiago. Às vezes, basta um indivíduo tornar-se famoso, rico, para os demais membros da família a que ele pertence ostentar certo status quo adquirido como que por osmose. Quem, entre meus concidadãos, já se livrou do preconceito familista? Exceções à parte, a maioria deles considera a consangüinidade um elemento que identifica cem por cento sua família. Ninguém ainda sabe que tal não passa de uma convenção social, algo insustentável por qualquer estudo genético. Como organismo diplóide, que recebo 50% da carga hereditária do pai e 50% da mãe, poderia dizer que herdei 50% dos Oliveira e 50% dos Fiorenza. Dessa forma, não pertenço 100% à família dos Oliveira (totemizada junto ao meu nome). Na concepção do meu pai, todavia, não entrou apenas os Oliveira com a sua parcela de genes, mas os Soares, com igual participação genética. Na concepção da minha mãe, o mesmo é válido dizer acerca dos Colpo em relação aos Fiorenza. Portanto, poderia dizer que herdei 25% de cada uma dessas famílias. Mas ainda não posso dizer sem cometer um grande equívoco. Meus avós, paternos e maternos, ao registrarem meus pais, descartaram a participação das famílias Machado, Franco, Crestani e Zauza. A designação familiar caiu fora, não a participação genética. Isso implica em subdividir minha constituição em oito partes, correspondentes às famílias dos pais de meus pais. A percentagem que trago dos Oliveira, assim, cai para 12,5%. Como o mesmo ocorreu no registro de meus avôs, outras quatro famílias foram relegadas ao esquecimento, embora continuassem participando da carga hereditária de todos os seus descendentes. Por conseguinte, os Oliveira perdem outra metade, restando-lhes 6,25% de efetiva participação em minha estrutura vital. A cada recuo em direção aos meus ascendentes, mais e mais famílias se somam como minhas consangüíneas. Atrás dos Oliveira, por exemplo, chegarei ao século XV, quando Portugal obrigou os judeus residentes em seu território à conversão. Os chamados cristãos-novos inventaram inúmeras formas de esconder sua origem judia, entre as quais as alheiras** e os sobrenomes. O primeiro Oliveira, porém, trouxe a mesma percentagem familiar de seus antepassados que a troca de designação não anulou, absolutamente. Naquela época, essa percentagem era tão ínfima que, a despeito de todas as gerações que a subdividiram posteriormente, até chegar a mim, não era significativamente diferente da que trago hoje desta ou daquela família. Para representá-la numericamente, algo em torno de 0,001%. Numa outra direção, seguindo a linha dos meus descendentes, posso me fazer mais elucidativo. Minha filha terá a percentagem dos Oliveira, isto é, 0,001%, diminuída ainda mais. Reitero: aos Soares, Machado, Franco, Colpo, Fiorenza, Crestani, Zauza e centenas de outras famílias que, por força da tradição paternalista, foram relegadas ao esquecimento, outras tantas se somam por conta dos 50% que cabe à sua mãe. O mesmo ocorrerá na concepção de meus netos, bisnetos, trisnetos... Interessante observar que seus filhos ainda terão a grafia Oliveira no nome, mas seus netos não. Estes poderão casar com Oliveira, sem o risco da consangüinidade evidente. Nossa civilização é declaradamente machocêntrica, uma vez que cabem aos meus filhos homens perpetuarem o nome da família Oliveira. Minhas filhas iniciarão um processo de descarte que não se manterá até seus netos. Atualmente, está havendo mais liberdade no registro dos recém-nascidos. O velho paradigma, que norteou nossas sociedades por milênios, apresenta rupturas internas. Aos poucos, seus tabus foram desobedecidos, seus preconceitos quebrados, seus mitos compreendidos, enfim, toda sua estrutura arcaica deixou-se infiltrar pela luzes do conhecimento filosófico e científico. Especificamente, acerca do que se configurou o tema acima expresso, reitero que a genética propiciará um grande salto para a compreensão da vida. O homem que se cuide (no alto de sua transitória grandeza).

* As três primeiras frustrações resultaram das descobertas de Copérnico
(heliocentrismo), de Darwin (o evolucionismo) e de Freud (o inconsciente).

** Alheira era um tipo de enchido de carne de galinha e outras aves, feitas para imitar os tradicionais chouriços de carne de porco, proibida aos judeus.

domingo, 20 de abril de 2008

DEBUT DO EXPRESSO ILUSTRADO

ooooooooooUm evento imperdível!!!

OLIVEIRA, MACHADO...

Em edição passada do Expresso Ilustrado, confessei que gostaria de me assinar Machado, com base na tradição que registra o sobrenome do pai por último. Tradição à parte, o que este colunista teria de Machado nas veias? A mesma percentagem que tenho de Oliveira, Franco, Soares, Colpo, Fiorenza, Zausa e Crestani (considerando-se apenas os sobrenomes dos meus avós paternos e maternos). No mínimo, meu nome deveria incluir a relação acima. Geneticamente falando, recebi um lote contendo 23 cromossomos do meu pai e outro lote destes da minha mãe. Os 50% paternos, todavia, foram rotulados de Oliveira, herdado do vô Fermino, e Soares, herdado da vó Francelina. Segundo essa subdivisão, eu teria 25% de características herdadas dessas famílias. Outras duas famílias foram descartadas, embora com a mesma influência hereditária: Machado (avô) e Franco (avó). Dessa forma, a percentagem cai para 12,5%. O mesmo ocorreu com os meus avós: ambos descartaram dois sobrenome em seus registros: geralmente, os primeiros de seus pais. Assim, os 50% deveriam ser subdivididos por 8. Como o mesmo se deu com meus bisavós, a subdivisão continua. Para encurtar essa lengalenga, quanto mais recuar na constituição genética de meus ascendentes (paternos ou maternos), mais reduzida se torna a percentagem de cada família na minha constituição. Na realidade, a percentagem de “sangue” dos Oliveira ou dos Machado é exatamente a mesma dos Pereira, dos Crestani e de tantos outros sobrenomes descartados ao longo das gerações passadas. Isto é, 0,001%. A convenção social não anula as características genéticas. Tenho uma parcela de todas as famílias de meus antepassados, desde sabe lá quando. O Oliveira (ou qualquer outro sobrenome) acrescido ao Froilam não passa de mera referência a uma das famílias a que pertenço hereditariamente. Por uma minúscula percentagem de 0,001, sou parente consangüíneo de todos os santiaguenses. Pensem no avanço civilizatório que a internalização desse conhecimento propiciaria aos homens.

ARTE MAYOR


Durante o curso de Letras que fiz na URI, escrevi um soneto em espanhol. Essa forma clássica de poema constitui um dos maiores desafios da arte poética. O Oracy reitera que ninguém é poeta sem escrever um soneto (com versos isossilábicos, ritmo, “chave de ouro” e, importante, com conteúdo). O poeta parnasiano Júlio Salussi ficou conhecido pela autoria de um soneto: Os cisnes. Do meu soneto Arte mayor, destaco dois versos do segundo quarteto:
OO
También mi boca rozará tu piel
con el color de la pasión mojada.

OS DOIS PRINCÍPIOS

Em sua Terceira Consideração Intempestiva, Schopenhauer Educador, Nietzsche escreve no capítulo 2: Se tentar descrever o acontecimento que foi para o primeiro olhar lançado sobre os escritos de Schopenhauer, devo primeiramente me deter um pouco a uma idéia que me perseguia em minha juventude, mais freqüente e mais opressora que qualquer outra. Quando há pouco eu me comprazia em formular desejos, imaginava que o terrível esforço o temível dever de ter de me ocupar de minha própria educação me seria poupado pelo destino, porque encontraria no devido tempo um filósofo que fosse meu educador, um verdadeiro filósofo que pudesse ser seguido sem hesitar, uma vez que poria nele mais confiança que em mim mesmo. Em seguida, é verdade, eu me perguntava: Que princípios haverá ele de seguir em tua educação? E me perguntava o que haveria de dizer dos dois princípios de educação que estão em voga em nossos dias. Um exige que o educador saiba discernir depressa qual é o ponto forte de seus alunos e concentre em seguida todas as energias, todas as seivas e todo o sol sobre esse ponto, a fim de conduzir à maturidade e à fecundidade essa única virtude. O outro princípio, pelo contrário, exige que o educador apele a todas as faculdades existentes, que as cultive e estabeleça entre elas uma harmoniosa proporção.

MANHÃS DE ABRIL

Nenhuma manhã do ano é tão bonita, límpida e agradável quanto as manhãs de abril. Mesmo sem as flores com que concorrem as manhãs de outubro. Afirmo isso não apenas com um viés poético, mas com o da pura contemplação (impossível de ser verbalizada). Não me conteste, querido leitor, antes de sair para fora neste domingo.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

NARDONI E JATOBÁ (EU JÁ SABIA)


Na semana passada, Maria me disse acreditar na inocência de Alexandre Nardoni e de Ana Carolina Jatobá. Para fazer-lhe o contraponto, descrevi o que pode ter acontecido na noite do crime: a madrasta, reencarnação da megera dos contos infantis, bateu na menina Isabella por algum motivo fútil; o pai, machão violento, borderline, tomou para si a tarefa de esganar a filha e jogá-la pela janela. Indiciados, o casal se torna oficialmente suspeito pela morte de Isabella (uma criatura tão frágil, tão doce). A civilização é o resultado de um processo evolutivo nas sociedades humanas, mas certos atos contra a vida demonstram um aviltamento (desvalorização) que não existia no tempo da barbárie. Como tal, toda crueldade hoje cometida não pode ser classificada como "nova barbárie". Nos Estados Unidos, em 36 de suas unidades político-administrativas, ainda vigora a pena de morte, da qual não escapariam Alexandre e Ana Carolina.

PT SAUDAÇÕES

Ontem o diretório do Partido dos Trabalhadores de Santiago se reuniu e votou pela não apresentação de candidato próprio à prefeitura, tampouco irá se coligar com um dos partidos maiores, isto é, com qualquer um dos outros partidos. Meu amigo Júlio Prates desistiu de caminhar com quem não o queria a seu lado, isto é, o PT e alguns petistas (para ser mais exato, os dezesseis que votaram contra na reunião de ontem). Em âmbito nacional, o governo do Lula poderá ir além de 2014, mas em Santiago não elegerá sequer um vereador. Em seus melhores tempos, foram dois.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

FUEGO INTERIOR


oooooooun ascua
ooooooomi corazón
ooooooopuede apagarse
oooooooa deshora
oooooooo cambiarse
ooooooosin demora
oooooooun volcán

quarta-feira, 16 de abril de 2008

POR QUE ESCREVO?

Des'que me conheço por gente, vejo tudo em volta com um tal estado de espírito que mais tarde consegui defini-lo como contemplação. As flores, os animais, os horizontes, as estrelas, as pessoas – mil formas que percebo contemplativamente. Esse modo equivale a ver, pensar e sentir ao mesmo tempo. No instante em que contemplo, deixa de existir a distância entre o eu que observa e a coisa observada, entre sujeito e objeto. Como isso é possível? Ao olhar uma rosa, por exemplo, encanto-me com ela (como se a visse pela primeira vez, sem o conhecimento prévio que me diz como é uma rosa). O êxtase contemplativo ocorre no presente. O modelo que trago de uma flor já é passado. O turista, que viaja para lugares diversos, vivencia amiúde a experiência da contemplação. Sua mente se recupera do embotamento causado pela mesmice cotidiana, abrindo-se para o novo. Por isso, a viagem a passeio sempre causa um prazer indescritível. O avançado processo de coisificação em nossa sociedade já permite relacionar viagem e sonho de consumo. Lamentável! A alma seduzida pelo mercado perde o melhor de sua sensibilidade, que se destinaria a simplesmente ver, contemplar. O mar me faz mergulhar os olhos contempladores em sua dimensão oceânica. Outros sentidos participam como se o mar não existisse sem eles, ou eles não existissem sem o mar. Ouço o marulhar (uma das canções mais antigas da Natureza). Aspiro o cheiro da maresia. Sinto o contato doce das ondas com o meu corpo (que flutua). Quando vi o mar pela primeira vez, experimentei uma emoção semelhante com aquela já conhecida ante as flores, os animais, os horizontes, as estrelas, as pessoas – mil formas que percebo contemplativamente, des’que me conheço por gente.
oo
Espero ter respondido à pergunta do título.

terça-feira, 15 de abril de 2008

DALVA FIORENZA DE OLIVEIRA


Hoje faz dois anos que minha mãe faleceu, no mesmo dia 15 de seu aniversário. Ao escrever a nota para o Jornal Falado da Rádio Santiago, convidando para as missas que em sua memória, chorei mais uma vez. Sempre hei de chorar a perda da melhor pessoa que conheci, não apenas aquela que me trouxe ao mundo.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

PAIXÃO SANTIAGUENSE

Hoje fui à Câmara de Vereadores (como já é costume na segunda-feira). O ponto alto da sessão foi o voto aberto dos vereadores Bianchini e Franquilim, ambos do PP, elegendo seus preferidos para concorrer à Prefeitura de Santiago. Todas as outras bancadas já haviam indicado ou insinuado seus pré-candidatos. Menos o PP. O partido é grande demais, há sobra de prefeituráveis. Júlio Ruivo? Toninho? Bonoto? Peixoto? A pergunta que não quer calar começou a ser respondida pelos edis acima citados, porta-vozes das duas grandes facções pepistas. Antes de serem fiéis a uma estratégia cautelosa, necessária, eles são fiéis a sua paixão pela política. Demonstraram isso do alto da tribuna. O plenário aplaudiu.

A VELOCIDADE DO MUNDO


Não vejo as pessoas se interessarem por Astronomia, mesmo sabendo que a Terra em que vivemos, desloca-se a uma velocidade de 104.000 km/h. Cento e quatro mil quilômetros por hora. Para percorrer a órbita em torno do Sol, nosso planeta demora 365,2564 dias. O móvel mais veloz construído pelo homem é a sonda espacial New Horizons que irá fotografar Plutão: 75.000 km/h. A Lua percorre sua órbita em volta da Terra a uma velocidade de 3.200 km/h. O Sol estaria parado no centro? Não, obviamente. Ele, Terra, Lua e demais astros do Sistema Solar se deslocam em torno do Centro Galáctico a uma velocidade de 230 km/s (ou 828.000 km/h). Mais extraordinária é a velocidade com que a Via Láctea, a galáxia em vivemos, desloca-se ao encontro aparente de Andrômeda. Tais velocidades são precisas e demonstram que o universo é puro movimento. As pessoas, no entanto, ficam paradas, sem saber de nada, felizes da vida.

IDÉIAS VERSUS SENTIMENTOS

A coluna Rincão dos Machado chamou a atenção de duas pessoas: Mara Lúcia Soares e Laurindo Machado. A Mara é minha prima de segundo grau, irmã do Antônio Carlos, o Tonico. Nossa amizade resistiu a distância, até assinarmos um contrato social que a excluía numa de suas cláusulas egoístas. Hoje ela reside em São Vicente do Sul. Seu e-mail elogioso me pede para escrever mais sobre a grande família, aproveitando a memória privilegiada da tia Cela. Laurindo Machado é parente também: bisneto de Laurindo José Machado (meu trisavô). Ligou para me pedir dados pertinentes a nossa árvore genealógica, conhecimento interessante para quem é o festeiro responsável pelo Encontro dos Machado este ano (dia 26 de abril).
Ao longo de cinco anos em que escrevo para o Expresso, transitando pelas temáticas mais diversas, percebo que os textos que provocam uma atitude dialógica são crônicas que falam de pessoas, fatos, tempos e lugares que marcaram minha vida, ligados a alguns do leitores. Outras vezes, artigos cuidadosamente elaborados, com estilo e conteúdo, sequer me rendem um comentário. Não tenho dúvida qual a preferência entre idéias e sentimentos. No entanto, tal certeza não é suficiente para que eu me livre do paradoxo.

domingo, 13 de abril de 2008

DOMINGO NADA DOURADO


Ainda bem que há outras condicionantes para que a cor do meu dia não tenha o cinza que sobeja do outro lado da janela. Desde ontem, o tempo é feio para quem vive à procura de uma nesga de azul, ou de um ceuzão bonito como faz nas manhãs de abril. A chuva mansa e prolongada, todavia, há de acabar com a seca, reativando vertentes exauridas pela longa estiagem. Por esse viés, o tempo é dadivoso neste fim de semana. Minha janela está embaçada, mas estou mais tranqüilo dentro de casa, sem o desejo de sair por aí (batendo asa).

sábado, 12 de abril de 2008

OUTRAS DE ADORNO

"O olhar voltado para possíveis vantagens é o inimigo mortal da formação de relações compatíveis com a dignidade humana em geral"
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"Não menos perigoso são os reflexos do poder, lacaios, aduladores e parasitas, que se fazem solícitos a quem está melhor situado"
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"A objetividade nas relações humanas, que acaba com toda ornamentação ideológica entre os homens, tornou-se ela própria uma ideologia para tratar os homens como coisas"
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"Progresso e barbárie estão hoje, como cultura de massa, tão enredados que só uma ascese bárbara contra esta última e contra o progresso dos meios seria capaz de produzir de novo a não-barbárie"
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(Citando Nietzsche, que acusa o cristianismo de mitologia:) "O sacrifício expiatório, e na sua forma mais repugnante, mais bárbara, o sacrifício do inocente pelos pecados dos culpados! Que paganismo horrendo!"
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"Na competição imperialista, a situação da Alemanha, em termos de matérias-primas disponíveis e de potencial industrial, era desesperadora, na guerra como na paz. Para reconhecer isso, todos eram estúpidos demais e ninguém o era. Entregar-se à luta final da competição significava saltar no abismo, e assim empurraram-se para ele em primeiro lugar os outros, na crença de que com isso seria possível evitá-lo"
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"A inclinação para o ocultismo é um sintoma da regressão da consciência. Esta perdeu a capacidade de pensar o incondicionado e de suportar o condicionado"
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"Após milênios de esclarecimento, o pânico abate-se de novo sobre uma humanidade cuja dominação sobre a natureza tornada dominação sobre os homens excede em horror tudo o que em qualquer época pudessem temer na natureza"
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"A absurdidade do real é reproduzida pela da astrologia (assim que escrevo também, com "a" minúsculo), que exibe as opacas conexões entre elementos estranhos - nada mais estranho que as estrelas - como um saber sobre o sujeito"
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(Os ocultistas) "Fazem o maior alarido em torno do materialismo, mas querem pesar o corpo astral. Os objetos de seu interesse devem ao mesmo tempo transcender a possibilidade da experiência e ser experimentado"
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"A dialética originou-se na sofística, um procedimento de discussão destinado a abalar afirmações dogmáticas e, como diziam os promotores e os cômicos, a transformar a palavra menor na mais forte. Posteriormente, ela se desenvolveu, em face da philophia perennis, como método perene de crítica, asilo de todos os pensamentos dos oprimidos"

ADORNO CITA NIETZSCHE

FRAGMENTO 61
Instância de apelação - Nietzsche formulou no "Anticristo" o mais forte dos argumentos não só contra a teologia, mas também contra a metafísica; que a esperança seria confundida com a verdade; que a impossibilidade de viver feliz ou mesmo simplesmente de viver, sem pensar em um absoluto não atesta a legitimidade de tal pensamento. Ele refuta a "prova de força" do cristianismo, de que a fé é verdadeira porque traz a beatitude. Pois, "seia a beatitude - ou dito de um modo mais técnico, o prazer - uma prova da verdade? Ela o é tão pouco, que quase fornece uma prova contrária, ou em todo caso permite levantar a maior duspeita contra a 'verdade', quando sensações de prazer têm algo a dizer acerca da questão 'O que é verdadeiro?'. A prova pelo 'prazer' é uma prova a favor do 'prazer' - nada mais; a partir de que coisa no mundo estaria assegurado que os juízos verdadeiros proporcionam mais prazer que os falsos e, de acordo com uma harmonia preestabelecida, acarretem necessariamente sentimentos agradáveis?"...

sexta-feira, 11 de abril de 2008

ELLEN BARBOZA RAMOS

O que fazer nesta noite? Ficar em casa, como os demais dias da semana? Ler, escrever, navegar (não necessariamente nessa ordem)? Às vezes, me pergunto se já não dediquei muito do meu tempo à leitura. Belos dias da juventude, nas noites de sexta-feira, nos sábados azuis, inclusive... Para quê? Como a maioria das pessoas normais, racionalizo. A resposta está aqui, ó, na ponta da língua: toda a leitura cria a necessidade de escrever, de imitar aqueles que leio. Mas nesta sexta-feira, já tinha decidido a me dar um tempo. Haveria um lançamento de livro no Centro Cultural e um churrasco para a imprensa no Tênis Clube (o Júlio me convidou antes das sete piem). Ando evitando a carne vermelha, ainda que contrarie essa autoprescrição no domingo. Lançamento de livro é um evento especial, raríssimo. Além disso, aguça ainda mais meu lado de leitor, escritor, crítico... O convite trazia o nome do livro a ser lançado e sua autora: Pra não te esquecer, meu Rio Grande, de Ellen Barboza Ramos. Inicialmente, pensei se tratar de uma dessas senhoras saudosistas, talvez professora aposentada, que viesse a Santiago para lançar seu livro (como tem acontecido nestes anos em que participo do Departamento de Literatura do Centro Cultural). Seu nome me era completamente desconhecido. Qual foi minha surpresa ao chegar no auditório do edifício Melvin Jones? Ellen, que autografava à frente da platéia, era uma menina de 14 anos. Do interior do município, Vila Lara. Seu Pra não te esquecer, meu Rio Grande compõe-se de 41 poemas crioulos, com uma epígrafe do nosso Aureliano Pinto "Alerta! O campo vigia! / Da meia-noite pro dia / um taura não dorme mais" e apresentação de Ataliba de Lima Lopes. Após os autógrafos, conversei com a menina Ellen, estudante do Thomás Fortes. Pedi a ela que lesse os poetas consagrados, como Apparício Silva Rillo, Luiz Menezes, Jayme Caetano Braun, entre outros. Falei da importância do ritmo, elemento básico da poesia. Um ditado diz Se é da Vila Flor é parente, ou consangüíneo, ou por identidade. Ellen é sobrinha do meu primo Altamir.

UM POUCO DE ADORNO

Theodor Adorno, filósofo alemão, publicou a primeira parte de Minima Moralia em 1944. O livro “constitui um notável esforço para desvendar as múltiplas máscaras usadas pela falsa consciência”, conforme editores. No fragmento 11 (Adorno imita Nietzsche na escrita aforística), lê-se o seguinte: Cama e mesa. – Tão logo as pessoas, mesmo de boa índole, amáveis e instruídas, se divorciam, costuma levantar-se uma nuvem de poeira que recobre e muda a cor de tudo aquilo com que entre em contato. É como se a esfera da intimidade, a descuidada confiança da vida em comum, houvesse se transformado numa substância daninha e venenosa, quando se desfazem as relações em que se baseia essa esfera. A intimidade entre as pessoas é indulgência, tolerância, refúgio para idiossincrasias. Se ela é violentamente distendida, a dimensão de fragilidade que há nela manifesta-se por si mesma e, na separação, semelhante guinada para o exterior é inevitável. Ela se apodera do inventário da intimidade. Coisas que no passado eram sinais de um cuidado amoroso, imagens de conciliação, tornam-se de súbito independentes enquanto valores e mostram seu lado mau, frio e perverso. Após a separação, respeitáveis professores invadem a casa da mulher para retirar objetos da escrivaninha e senhoras materialmente bem situadas denunciam os maridos por sonegação de impostos. Conquanto o casamento ofereça uma das últimas possibilidades de formar células de humanidade em meio ao universal desumano, o universal vinga-se com a desagregação daquele, apoderando-se do que estava aparentemente excetuado, subordinando-o às ordenações alienadas do direito e da propriedade, lançando escárnio sobre aqueles que se presumiam seguros quanto a isso. Exatamente aquilo que era preservado com desvelo torna-se o apetrecho cruel do abandono. Quanto “mais generosamente” os cônjuges se relacionavam entre si no início, quanto menos pensavam em posses e obrigações, tanto mais abominável torna-se a degradação. Pois é precisamente no domínio do juridicamente indefinido que prosperam o litígio, a difamação e o conflito infinito de interesse. Tudo o que há de nebuloso e obscuro, sobre cujos fundamentos se ergue a instituição do matrimônio, o bárbaro poder de disposição do homem sobre a propriedade e o trabalho da mulher, a não menos bárbara repressão sexual, que obriga tendencialmente o homem a assumir por toda a vida a responsabilidade por aquela com a qual dormir propiciava-lhe outrora prazer – tudo isso arrasta-se dos porões e do subsolo para a luz do dia quando a casa é demolida. Aqueles que outrora tiveram a experiência do bom universal no limitado pertencimento recíproco são agora forçados pela sociedade a considerar-se como patifes e a aprender que se igualam ao universal da baixeza ilimitada lá de fora. O universal revela-se no divórcio como o estigma do particular, porque o particular, o casamento, não é capaz de realizar efetivamente nesta sociedade o verdadeiro universal.
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Um dia ainda quero escrever assim, com esse estilo conceptista que chama a atenção. Falei em estilo, não no conteúdo. As separações no mundo europeu em 1944, certamente eram diferentes das que ocorrem no Brasil em 2008.

HORKHEIMER, ADORNO, FROMM...

Os filósofos também são seres que se deixam condicionar pelas circunstâncias, à semelhança daqueles que não têm o intelecto tão desenvolvido. Não era para ser assim. Eles teriam que superar todos os óbices de seu tempo (a ascendência judia, por exemplo), criando uma obra perene, não afetada pelo pessimismo, angústia, derrotismo. A Escola de Frankfurt, cujos principais pensadores são Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin, entre outros, traz impregnada em sua filosofia a nefasta influência do nazifascismo e das duas grandes guerras mundiais. Influência negativa, como se depreende da Dialética do esclarecimento (escrito a quatro mãos, por Horkheimer e Adorno). A crítica que fazem à sociedade conduz a um dos piores quadros de todos os tempos: as forças que levam a uma nova barbárie, segundo esses pensadores, derivariam da racionalidade humana. Nietzsche fizera o seguinte diagnóstico: a humanidade não evolui para algo melhor.
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Minha única leitura desses filósofos do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt se resumia a Minima Moralia, de Adorno. Esse livro é perpassado por um conceito que tem origem em Freud: o de pulsão de morte.
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Em contrapartida, li quase toda a produção de Erich Fromm. Ninguém melhor que ele aproximou a Filosofia, a Sociologia e a Psicanálise. Fundador do Instituto Psicanalítico em Frankfurt, na Alemanha (o qual se utilizava do mesmo edifício do Instituto de Pesquisa Social), Fromm é o autor de Psicanálise da Sociedade Contemporânea, O Medo à Liberdade, A Análise do Homem, A Arte de Amar, A Descoberta do Inconsciente Social, A Missão de Freud, A Linguagem Esquecida, A Revolução da Esperança, A Sobrevivência da Humanidade, O Conceito Marxista do Homem, O Coração do Homem, Ter ou Ser?, Da Desobediência e outros Ensaios, O Dogma de Cristo, Meu Encontro com Marx e Freud, O Espírito de Liberdade, entre outros. Psicanálise da Sociedade Contemporânea e O Dogma de Cristo já devo ter relido 3 ou 4 vezes.

terça-feira, 8 de abril de 2008

LIVROS...

Para enriquecer minha monografia de Pós-Graduação, recebi hoje dois livros interessantes: A propósito da Literariedade, de Inês Oseki-Dépré; Blog - entenda a revolução que vai mudar seu mundo, de Hugh Hewitt.

IDIOTA OU CHATA

Para Juremir Machado da Silva, colunista do Correio do Povo, a televisão brasileira, ou é idiota, ou é chata. Não há outra possibilidade. Discordo de seu exagero reducionista. A televisão brasileira é idiota, é chata, é burra, é vendida, é medíocre, é sensacionalista, é sensualista, é pobrológica... É assim para ganhar audiência. É assim porque o telespectador quer assim.

A MÚSICA DA GUAÍBA

Ainda um menino no rincão, ouvia a música da Guaíba. Música erudita. Não gostava do Teixeirinha e do Gildo, cantavam mal, gritando. Desde esse tempo, defendo a tese de que dificilmente alguém abre a boca sem que a música caia de qualidade. São poucos os cantores que conseguem isso. Raridade na MPB, raridade na música nativista. Mantenho esse gosto que desenvolvi ouvindo rádio lá no rincão. Depois de trinta e muitos anos, ligo o computador e sintonizo minha saudosa Rádio Guaíba pela Internet. Que coisa boa!

PÉS DE BARRO

OOA História (com “H” maiúsculo) não ensina os homens que desejam aprender sobre política, sobre a maneira correta de governar, organizar, dirigir e administrar nações, estados, cidades, instituições etc. Tampouco os homens fazem história como aprendem, senão de uma forma arrevesada, inconsciente, à semelhança daqueles que não sabem. A História, na verdade, é tudo o que pode ser pensado, racionalizado e instituído como ciência a posteriori. Antes disso, há o caos da transformação presente, apressada de menos, demorada de mais, sempre tendo os homens, ou obrigatoriamente fixados como sujeitos, ou como objetos de ações significativas.
OOOOUma das lições de suma importância que os homens poderiam aprender com a História refere-se ao poder, mais especificamente ao poder que se institui politicamente em todas as ambitudes. Os estudos acerca de civilizações, impérios, reinos, países, províncias, cidades e agremiações diversas esclarecem que o poder é de uma instabilidade ziguezagueante entre o zero absoluto e o ponto que se projeta indefinido num determinado plano social. Quanto mais alto ou mais amplo (no âmbito da família, da associação de bairro, do partido, do Estado etc.), maior significa a queda. Os impérios ilustram melhor a regra. Eles desabaram por razões inerentes a sua própria grandeza, não sendo condicional o fator externo muitas vezes. O sonho de Nabucodonosor, com um gigante de ouro e pés de barro, constitui uma imagem sugestiva do que foram (e são) esses impérios. As “torres gêmeas”, em Nova York, tinham a altura e a arrogância do império que representavam. Por isso se transformaram num dos alvos escolhidos pelos terroristas, cuja “pedra” certeira causou uma pequena ferida nos pés de barro desse gigante norte-americano (que não escapará do desígnio histórico). A economia, que poderia ser vista como a “cabeça de ouro” no esplendor de seu desenvolvimento, paulatinamente se transforma na sustentação mais vulnerável desse poder. O inimigo, ou a causa da queda inexorável, encontra-se dentro da própria estrutura do poder.
OOOONos anos noventa, escrevi um artigo sobre o crescimento do Partido dos Trabalhadores no Brasil. Antes de Luís Inácio da Silva vencer a primeira eleição para presidente. O título era meio profético: A hidra autofágica. Em pleno segundo mandato do Presidente Lula, com perspectivas claras de eleger seu substituto, ainda é cedo para dizer que o PT ruma para o ângulo reentrante da linha em ziguezague do poder. O primeiro tentáculo autofágico, com o nome de mensalão, foi seccionado a quatro mãos, de comum acordo, sem heroísmos. Outros de menor estrutura sofreram o pronto combate. Atualmente, o vazamento de um dossiê de dentro da Casa Civil demonstra a coerência da minha metáfora. O pior de todos os tentáculos, o mais nefasto para o PT, nasce com um aspecto que afeta a sempre delicada e romântica democracia: o autoritarismo. Mesmo que Lula seja vitorioso em 2014, a autofagia é inevitável. O país não sofrerá com isso, uma vez que seu desenvolvimento não depende inteiramente dos homens que se alternam no poder.
OOOOUma das lições que a História ensinaria aos homens é de que o poder não pode ser exercido com arrogância. Cedo ou tarde, o gigante acaba desprotegendo seus pés de barro.
OO
(Texto escrito hoje para a revista A Hora)

segunda-feira, 7 de abril de 2008

RINCÃO DOS MACHADO

O Rincão dos Machado não tinha essa denominação há trinta e poucos anos. Lembro-me de que escrevíamos Rincão dos Cervos II na primeira linha de nossos cadernos, ao datar as aulas da professora Delir. Rincão dos Cervos I situava-se onde hoje é o Rincão dos Panerai. A origem dos nomes primitivos remonta a um tempo em que tais localidades eram quase devolutas, cujo primeiro grande proprietário foi Paulino Pinto. Fermino Machado de Oliveira adquiriu cinco quadras de campo, limitadas pelo rio Rosário (N e O), por um dedo da serra (S) e pelos campos limpos (L). A 6 km (uma légua) da igreja de Bom Retiro, 15 da Florida, 2 do Passo da Cruz e 29 da cidade de Santiago. Meu avô fora registrado com os sobrenomes em posições trocadas que negavam a sociedade patriarcal. Como seu pai era (João José) Machado, ele deveria sobrenomear-se Oliveira Machado. A partir desse pequeno erro de registro, seus descendentes, filhos, netos, bisnetos, trisneto, todos passamos a assinar Oliveira. Atualmente, não há um único Machado no Rincão dos Machado. Pelo menos de (sobre)nome. De sangue, genealogicamente que sim. Meu trisavô, Laurindo Machado, foi um dos três irmãos que, retornando da Guerra do Paraguai, estabeleceram-se nos distantes rincões que formariam o 3º Distrito de Santiago. Os outros Machado, que engrossam a população do nosso município, vieram mais tarde. Já pensei muitas vezes em assinar Machado. Pelo menos literariamente. Ainda que não assine, tenho escrito coisas sobre o meu rincão, instado por um sentimento de telúrica saudade. O rincão da minha infância não existe mais, porque tudo muda, tudo passa. A arte da escrita me permite, no entanto, transformá-lo numa metáfora (que represente o melhor lugar da minha vida).

sábado, 5 de abril de 2008

COLUNA DO EXPRESSO ILUSTRADO

DENGUE - A mídia determina qual a temática do dia. Em relação à Dengue, doença transmitida pelo mosquito Aëdes aegypti (cuja tradução borgeana é aedo do Egito, inseto que “cantava” no ouvido dos faraós), o assunto domina há algumas semanas. A epidemia ganha um tom de tragicidade com o coro midiático. (Em 1993, quando fazia um curso de aperfeiçoamento no Rio de Janeiro, recebi a missão de buscar um soldado em sua casa, num bairro distante, e levá-lo ao hospital. O militar tremia e suava ao mesmo tempo. Diagnóstico médico: dengue.)
OO

ÉTICA - Outro tema em evidência refere-se às pesquisas com células-tronco. Pergunta que prevalece nos debates: quando tem início a vida no indivíduo humano? Ao se tratar de outros animais, a manipulação com as ditas células já levou à clonagem. Há pouco foi realizada uma audiência pública para tratar da regulamentação de pesquisa, produção, importação e comercialização de clones de mamíferos. Voltando à pergunta “quando tem início a vida...”, cientistas e religiosos não chegam ao consenso. No Rincão dos Machado, todos sabíamos desde muito: a vida começava quando, durante uma noite escura em que Vó Percilha era chamada às pressas, uma nova criança chorava no quarto. Mais tarde, os estudos nos deram a certeza de que há vida intra-uterina. A despeito do tempo relativamente curto (9 meses), vários estágios são observáveis nessa fase. A ciência procrastina o quando. As organizações religiosas o apressam, considerando, inclusive, a sacralização do relacionamento que precede a concepção. Como mediadora do grande impasse, espera-se que a Filosofia, por intermédio de uma de suas co-denominações, a Ética, defina a resposta.
oo
ESCÓLIO: J.L.Borges, escritor argentino, transformava em fato histórico suas ficções. Pensando nesse recurso literário, traduzo aëdes aegypti como sendo aedo do Egito, "inseto que 'cantava' no ouvido dos faraós". Aedo, segundo Houaiss, era um cantor que apresentava suas composições religiosas ou épicas, acompanhando-se da cítara. Orfeu foi o mais famoso entre os aedos na Grécia antiga. Ao escrever "tradução borgiana", imito o grande ficcionista, atribuindo a ele a transposição lingüística. Aedo do Egito é minha criação.
O melhor da segunda parte é "No Rincão dos Machado, todos sabíamos desde muito: a vida começava quando, durante uma noite escura em que Vó Percilha era chamada às pressas, uma nova criança chorava no quarto". Rincão dos Machado é uma criação minha, uma metáfora que nasce da realidade.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

CHINESES VERSUS TIBETANOS

Os chineses só não arrebentam com os manifestantes tibetanos porque temem um boicote às olimpíadas. Em contrapartida, os tibetanos só se manifestam porque sabem que os chineses não reagirão antes das olimpíadas. Depois desse evento desportivo, a coisa muda de figura.

BAIXO PLANO(ALTO)

Um discurso no senado caracteriza o Lula como arrogante. As últimas declarações do presidente e a recorrência às medidas provisórias não deixam qualquer dúvida sobre esse viés de sua personalidade (reprimido antes de assumir a presidência). Por que ele é arrogante? Resposta simples: não é sábio. Apenas os sábios não são arrogantes no governo de um país. Os sábios não chegam a governar, à exceção de Confúcio. Essa atividade política, no mundo contemporâneo, cabe aos homens arrogantes. Exemplos não faltam: George Bush, Hugo Chaves e o nosso Luís Inácio da Silva (dentro de seu território).

QUE FALTA FAZ UM VOLTAIRE

Um artigo da VEJA me chamou a atenção: Que falta faz um Voltaire, de Reinaldo Azevedo. O autor escreve: "Falei outro dia a estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Um deles, militante socialista, antiimperialista, favorável ao bem, ao justo e ao belo, um verdadeiro amigo do povo (por alguma razão, ele acha que eu não sou), tentou esfregar Rousseau (1712-1778) na minha cara como exemplo de filósofo preocupado com o bem-estar do homem. 'Justo esse suiço que não cuidava nem dos próprios filhos, entregando-os todos a asilos de crianças?', pensei". Azevedo repete a histórica reação de Voltaire após leitura de Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, de Rousseau: "Quando se lê o seu trabalho, dá vontade de andar sobre quatro patas". Mais adiante, o artigo prossegue: "A força da grana erigiu cidades, catedrais, civilizações e fez vacinas. O discurso da igualdade, quando aplicado, produziu uma impressionante montanha de mortos. Mas vejam que coisa: é Rousseau quem está em toda parte, reciclado pela bobajada do marxismo, que tentou lhe emprestar o peso de uma ciência social... O socialismo perdeu o grande confronto da economia e desabou sobre a cabeça dos utopistas, mas as esquerdas têm vencido a guerra da propaganda cultural". À frente: "Aposto que boa parte dos nossos universitários, a pretensa elite intelectual brasileira, acredita que as vacinas nascem do desejo de servir, não da pesquisa financiada pela salvadora cupidez da indústria farmacêutica... O século passado viu nascer e morrer esse delírio totalitário... Felizmente, o homem não é bom. A sociedade, por meio dos valores, é que ajuda a controlar os seus maus bofes... Tomem cuidado com os militantes da 'igualdade' e da 'justiça social'. Toda crença tem um livro de referência. Esta também. Além de ter sido escrito com o sangue de muitos milhões, só se pode lê-lo adequadamente sobre quatro patas". O artigo se encerra com essa crítica contra os socialistas de plantão.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

OFÍCIO

abra cada
palavra
com a vara
da imagin
oooooooooação
ooo
abrace
sua mais
cara
acepção
ooo
cada palavra
tem uma mágica
rara
ooo
abra
oooooocada
oooooooooooobra

oo
(Esse poema foi publicado no meu livro ponteiros de palavra. A URI o pintou no muro da Escola Cândido Genro (rua Pinheiro Machado). O curso de Letras o transcreveu na capa de uma apostila para o primeiro semestre de 2006.)

terça-feira, 1 de abril de 2008

INFÂNCIA

o Rosário
oooooooooocorria entre
oooooooooooooooooooooo as pedras
até que um jiqui
de lembranças
apanhou
as ca
oooooochoei
ooooooooooooras
oooooooooooooooooooodo rio