quinta-feira, 6 de março de 2008

RISO E ASSOMBRO

Um personagem de Aldous Huxley, em O gênio e a deusa, inicia um diálogo: - O mal da ficção – disse John Rivers – é que ela faz sentido de mais. Por esse motivo, García Márquez atrai tantos leitores no mundo todo. Especialmente Cem anos de solidão e seu realismo mágico. O mesmo personagem arremata que “a realidade nunca faz sentido”. Bem assim, categoricamente. A guerra, para dar-lhe razão, nunca faz sentido.

Na perseguição de um grupo criminoso, o país C entra em território do país E. O país V, do lado oposto à fronteira entre os países C e E, sai em defesa do último. O presidente do país V, fanfarrão e belicoso, delira com a possibilidade do país C invadir seu território também. Dessa forma, quase declara guerra ao país C. Fecha a embaixada do suposto inimigo e desloca as tropas para a fronteira. O presidente do país C pede desculpa ao país E, que não as aceita, encorajado pelo presidente do país V. O país B, por intermédio de seu presidente, fala da necessidade de paz no continente. Não obstante, condena o que chama de violação cometida pelo país C e vende armas ao país V. Os pequenos países D e F se oferecem para mediar a crise e são ignorados solenemente. O país A (o mais poderoso do planeta) se solidariza com o país C. São aliados na luta contra guerrilheiros e traficantes que se instalaram na região (protegidos pela floresta).

Numa comparação simplista, o caso se assemelha ao do agricultor que descobre a causa dos estragos em sua lavoura: um formigueiro na propriedade vizinha (a alguns metros da divisória). De posse do veneno, cruza a cerca e faz o serviço que beneficiará também seu lindeiro. Este, no entanto, agrava-se com o fato de o outro ter entrado em sua propriedade sem permissão.

Muitos homicídios já ocorreram devido a essa forma de “ofensa”. A loucura ou a crueldade de um indivíduo ou de outro ainda pode fazer sentido, mas nunca no âmbito de um país.

O que acontece entre C, E e V parece ser real. Como o é, provoca riso e assombro ao mesmo tempo. A História prova irrefutavelmente que muitos conflitos internacionais foram iniciados por bem menos. Por isso, o assombro. Melindres e bravatas dos presidentes, certamente, terminarão em quase nada. Há uma inclinação para o quixotesco nos políticos deste continente, quase sempre corrigida pela diplomacia (fiel representante do sanchismo). Por isso, o riso.

(Texto para a revista A Hora)


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