segunda-feira, 19 de novembro de 2007

QUANDO NIETZSCHE CHOROU

Algumas pessoas me perguntam sobre esse romance. Só agora me dei conta que o título está incompleto, lacuna que o autor deixa para o leitor preencher. Quando Nietzsche chorou pela primeira vez. Mais famoso é o choro do filósofo abraçado ao pescoço de um cavalo que fora maltratado pelo seu dono. Esse pode ser considerado o último choro de Nietzsche, antes de ser internado numa clínica manicomial. No texto em itálico, abaixo do título, lê-se: Cem anos após sua morte, Nietzsche é o principal personagem deste romance magnífico sobre o nascimento da psicanálise. Para brindar os leitores deste blog, transcrevo a página do romance que narra o momento em que Nietzsche chorou. "Passivamente, Nietzsche retornou à sua cadeira e, fechando os olhos, respirou profundamente várias vezes. Depois, abriu os olhos e confessou:
- O problema, Josef, não é que você possa me trair; é que eu venho traindo você. Tenho sido desonesto com você. Agora, quando você me convida para sua casa, ao nos tornarmos mais íntimos, meu engodo está me atormentando. Chegou a hora de mudar isso! Chega de logro entre nós! Permita que me desabafe. Ouça minha confissão, amigo.
Virando a cabeça para o outro lado, Nietzsche fixou o olhar em um pequeno arranjo floral no tapete persa e, com uma voz trêmula, começou:
- Vários meses atrás, envolvi-me profundamente com uma notável jovem russa chamada Lou Salomé. Antes disso, jamais me permitira amar uma mulher. Talvez por ter sido inundado de mulheres no início da vida. Depois que meu pai faleceu, vi-me cercado de mulheres frias e distantes: minha mãe, minha irmã, minha avó e minhas tias. Algumas atitudes profundamente nocivas devem ter sido inoculadas em mim, pois desde então tenho encarado com horror uma ligação com uma mulher. A sensualidade, o corpo de uma mulher, me parece a pior distração, uma barreira entre mim e minha missão de vida. Mas Lou Salomé era diferente, ou assim pensei. Embora fosse bonita, também parecia uma verdadeira alma gêmea. Ela me compreendia, inidicava-me novas direções... a alturas estonteantes que eu jamais tivera coragem de explorar. Pense que se tornaria minha aluna, minha protegida, meu discípulo. Mas aí, catástrofe! Minha lascívia emergiu. Ela a usou para me jogar contra Paul Rée, meu amigo íntimo que nos apresentara. Ela me fez acreditar ser eu o homem a quem estava destinada, mas quando me ofereci, ela me rejeitou. Fui traído por todos: por ela, por Rée e por minha irmã, que tentou destruir nosso relacionamento. Agora tudo são cinzas e vivo exilado de todos os que outrora estimei.
- Em nossa primeira conversa - interrompeu Breuer -, você aludiu a três traições.
- A primeira foi de Richard Wagner, que me traiu faz muito tempo. Essa ferida já cicatrizou. As outras foram de Lou Salomé e Paul Rée. Sim, fiz menção a elas. Mas fingi que havia resolvido a crise. Esse foi meu logro. A verdade é que jamais, até o presente momento, a resolvi. Essa mulher, essa Lou Salomé, invadiu minha mente e nela se instalou. Não consigo desalojá-la. Não se passa nenhum dia, às vezes nenhuma hora, sem que eu pense nela. Na maioria do tempo, odeio-a. Penso em atacá-la, em publicamente humilhá-la. Quero vê-la rastejando aos meus pés, implorando-me que volte para ela! Às vezes, dá-se o contrário: desejo-a, penso em segurar a mão dela, em nossos passeios de barco no Lago Orta, em saudarmos um nascer do sol no Adriático juntos...
- Ela é sua Bertha!
- Sim, ela é minha Bertha! Sempre que você descrevia sua obsessão, sempre que tentava extirpá-la da mente, sempre que tentava entender seu significado, estava falando por mim também! Estava realizando um trabalho dobrado: o meu tanto quanto o seu! Eu me escondi como uma mulher e, depois que você partiu, saí de fininho, pisei nas suas pegadas e tentei seguir sua trilha. Covardemente, agachei-me atrás de você e deixei-o enfrentar sozinho os perigos e as humilhações do caminho.
Lágrimas desciam pela face de Nietzsche e ele as secava com um lenço."
ooo
Nietzsche e a psicanálise são minhas leituras preferidas (desde 1984).

Um comentário:

Anônimo disse...

''As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem,mas,para manter essa amizade,torna-se indispensável o concurso de uma pequena antipatia física.'' Nietzche. Você ,o que diz?