quinta-feira, 11 de outubro de 2007

RAZÕES DO CORAÇÃO

Por que adoramos as crianças? Por que amamos as crianças? Os motivos são conhecidos de todos os adultos: inocência, fragilidade, alegria, promessa de vida... Ainda que Freud tenha descoberto a sexualidade nos pequenos, apenas na puberdade a Natureza a impõe como uma exigência vital. Durante os anos iniciais, nenhuma prole dispensa maiores cuidados para um desenvolvimento seguro. Para salvá-la de um perigo real, iminente, somos capazes de grandes sacrifícios. Nada é mais autenticamente puro do que o sorriso da criança. (O primeiro sorriso da Isis foi fotografado por mim aos seus vinte dias de vida.) Além de levar nosso sangue, nossos genes e nosso nome, essas criaturas adoráveis conduzem acesa a chama da vida para amanhãs mais distantes. Perante elas, nosso “eu” torna-se menos espesso, menos centrado em si próprio. O comportamento infantil nos remete a algo que quase perdemos de todo, isto é, a capacidade incondicional de nos associarmos ao outro, lúdica e afetivamente. O teor de agressividade que é inato no indivíduo humano, manifesta-se na infância de uma maneira inconseqüente, sem premeditação, vingança ou ressentimento. Nossa evolução ocorre com a perda da inocência, o enrijecimento do corpo e da alma, o cenho necessário para a autodefesa e o enfrentamento da realidade – que diminui a extensão de todas as perspectivas. No ponto de fuga dessa inevitável trajetória, fica o paraíso que perdemos na infância. Um lugar que não mais reencontramos, um tempo ido e não mais vivido. Um pouco da admiração e do amor que sentimos pelas crianças é saudade, é transferência.
OOOO
(Texto a ser publicado na coluna do Expresso Ilustrado amanhã, Dia da Criança. A foto acima foi tirada quando este blogueiro tinha cinco anos, numa festa realizada em Bom Retiro. Única foto da minha infância.)

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